Essa viagem para a Cornualha, Inglaterra, vou contar para o resto da minha vida. Por quê?
O clima ali às vezes incrivelmente severo, vilas em estilo gótico puro plantadas em penedos sobre o mar bravio, extensões de falésias, pântanos, monólitos que são marcos de templos do Neolítico, ruínas de castelos sombrios, além de superstições para dar e vender ao resto do mundo, me fizeram entrar numa nova dimensão da realidade. Aquela que corre por dentro do fantástico.
A motivação maior desta viagem estava numa montagem cinematográfica e literária. A natureza da mítica Cornualha foi inspiração para obras-primas da prosa inglesa, e de tabela de filmes geniais baseados nesses livros. E, ela me provocou a estranha e euforizante sensação de estar dentro de um livro ou filme.
A viagem pela Cornualha está longe de ser apenas um passeio. O itinerário está impregnado de literatura fantástica, policial, de romances ardentes, do fascínio pela cultura dos celtas, e de histórias medievais. Consagrados escritores ambientaram em suas paisagens, que se mantêm praticamente as mesmas, suas histórias, fossem elas reais ou fictícias: Arthur Conan Doyle (1859-1930), Agatha Christie (1890-1976), Daphne du Maurier (1907-89), Virginia Woolf (1882-1941), J.R. R. Tolkien (1892-1973), D. H. Lawrence (1885-1930), Marion Z. Badley (1930-99), Willian Golding (1911-1993), e Rosamunde Pilcher (1924 -).
No cinema, dentre muitos filmes de suspense, terror, de piratas, de Cavaleiros da Távola Redonda, uma dobradinha famosa se formou entre Daphne du Maurier e Alfred Hitchcock. O cineasta que de bobo não tinha nada, percebeu logo o filão de ouro nos livros de Du Maurier e os transformou em blockbusters. Para citar alguns: “Estalagem Maldita”, “Rebecca” (no qual o cineasta britânico ganhou o Oscar de 1940, pelo melhor filme do ano), e o “Os Pássaros”.
Do cinema para a vila litorânea de Polperro, onde Silvia e eu estávamos. Mas poderia ser Fowey, ou outras tantas aldeias da Cornualha. O tempo mudara de forma abrupta, normal para aquela região, dizem, mas não para mim. A tarde antecipou a noite, as fachadas das casas cinzentas agora me pareciam sinistras, e uma névoa encobriu a aldeia. Me senti estranho com o surrealismo das ruas desertas. Não parecia uma mudança de minutos, mas de séculos. Embora com o pé na realidade foi impossível não sublimar o suspense.
E mais, sob cerrada neblina onde só se distinguia silhuetas, o vento surgiu num registro quase operístico. Vi o clarão. O trovão explodiu e raios fragmentaram o céu. A neblina ficou mais forte. Procuramos algum pub, loja, o escambau a quatro para entrar e … nada. Tudo fechado. Devil! Praguejei! Sem dissociar cinema e literatura me vi no melhor estilo de um filme P&B de mistério.
O clímax final se revelou num flash de raio: um vulto encostado na parede. Meus Deus!, ele tinha olheiras fundas. Abriu uma porta e nos convidou a entrar. Fiquei o tempo todo na defensiva. Ele ofereceu um chá bem quente com cookies. Teriam veneno? Estaria vivendo naquele momento uma realidade paralela. Maldita imaginação de filmar um livro e ler um filme que nunca me abandona.
Afinal, a viagem para a Cornualha foi tão boa como um bestseller
Considere quando ir:
Onde ficamos
Em St. Ives, Boskerris Hotel (www.boskerrishotel.co.uk). Situado na praia de Carbis Bay, e somente 5 minutos a pé da ‘Southwest Coast Path’. Uma trilha de aproximadamente dois quilômetros até o centro da cidade. Ampla residência transformada em hotel, com charmoso bar, sala de leitura e varanda. Esta, ideal para presenciar o pôr do sol, acompanhado de uma cerveja preta artesanal de St. Ives. Quartos amplos e excelente cornish breakfast
Em St. Ives, Primrose Valley Hotel (www.primroseonline.co.uk). Sua grande vantagem é a localização a 5 minutos a pé do centro da cidade; tem acomodações mais simples.
Em Fowey, The Old Quay House (www.theoldquayhouse.com). Localização perfeita, no badalado centrinho de Fowey. Decoração primorosa em todos os quartos, com vista privilegiada do estuário. Pode-se afirmar sem susto que é o melhor hotel da cidade.
Quem disse que não se come bem na Inglaterra?
Em St. Ives, The Porthminster Café (www.porthminstercafe.co.uk). Moderno restaurante com vista do porto e farol de Fowey. Sua especialidade são peixes e frutos do mar. Não deixe de conhecer esse restaurante, um dos mais fotogênicos e aclamados da Cornualha.
Em Fowey, The Old Quay Restaurant (www.theoldquayhouse.com). Com localização privilegiada em frente ao estuário, esse restaurante premiado contradiz a fama de que na Inglaterra não se come bem. Aqui a especialidade são os peixes grelhados e a cozinha baseada em pratos tradicionais da região.
Para saber mais
Trens. Para alcançar as principais cidades do sudoeste da Inglaterra os trens que partem das Estações de Paddington ou de Reading são a melhor opção para alcançar St. Ives. Neles, entre uma paisagem e outra, enquanto você sacia o olhar, pode ir tomando um chá, ou uma cerveja escura e forte, mordiscando salsichas, queijos e pães crocantes preparados com diferentes grãos e frutas secas.
Aluguel de carro. Um jeito fácil de percorrer toda a região da Cornualha pelas ótimas estradas com sinalização perfeita. Cidades pequenas, sem trânsito, mas com estacionamento bem complicado já que na maioria delas as ruas são estreitas. A melhor pedida é alugar um carro com “chauffeur”. O custo-beneficio vale: não custa caro além de oferecer a vantagem de não perder tempo na escolha de itinerários, e você se despreocupa de mais duas coisas: garimpar estacionamento e correr o risco de se atrapalhar com o volante do carro à moda inglesa, à direita. Foi o que fizemos. Contate: Driver Guides Tim Uff , tel.: 07969-281805
Matéria publicada originalmente no nosso blog Viagens Plásticas do Viagem Estadão