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A Amazônia de Mrs. Margareth Mee

Desconheço palavra mais bonita do que “Amazônia”: enche a boca, é saborosa e amorosa. Tudo ao mesmo tempo. Em quase todos os idiomas se escreve quase igual, ou muda-se apenas uma sílaba, mas sempre tem a mesma doçura. 

Agora quando uma nuvem negra parece querer manchar a cobertura verde, e pitonisa nenhuma é capaz de decifrar o que pode acontecer com nossa floresta, lembro a importância da aquarelista botânica Margaret Mee (1909-88). Além de retratar nossa flora ela protagoniza história de persistência em manter as características de um dos mais importantes ecossistemas do mundo – a nossa Amazônia.

A inglesa Margaret Mee descobriu sua vocação de desenhista botânica quando chegou ao Brasil, em 1952
crédito: Fundação Flora de Apoio à Botânica

A busca de “Mrs. Margaret”, como passou a ser conhecida, pelas flores brasileiras foi incessante. Dedicou sua vida em retratar nossa flora, sobretudo plantas raras, muitas até então desconhecidas pela ciência, em 15 expedições à Amazônia, a primeira em 1956, e outras tantas ao Cerrado e Mata Atlântica. Algumas espécies foram batizadas com seu nome.

Dois eixos importantes estruturam o trabalho da aquarelista: o aprofundamento de espécies de bromélias, orquídeas e cactos e, ao mesmo tempo, os  relatos da destruição ambiental que constatava em cada viagem à Amazônia, principalmente a partir do final da década de 1960, até sua última expedição, em 1988.
Foi uma das primeiras a denunciar o abandono dos ribeirinhos e a dilapidação de nossa flora. Na gênese da sua arte estava a defesa da biodiversidade da flora brasileira e a conservação dos nossos ecossistemas.

“Mrs. Margaret” foi, portanto, uma das primeiras vozes contra o desmatamento e as queimadas na Amazônia quando pairava o silêncio a esse respeito. Depois surgiram outras vozes e, mesmo assim, o problema ambiental só se agravou.

Floresta amazônica
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crédito: viramundo e mundovirado

É digna de nota a dedicatória de seu livro “Flores da Floresta Amazônica” ao presidente Ernesto Geisel: “… espero que goste do livro, porque todas essas plantas estão vivas, mas rapidamente se tornarão extintas”. Denúncias como esta eram também transmitidas por Mee aos órgãos oficiais e à imprensa. “É doloroso, um choque visual, ver as árvores, que no passado tinha admirado e que podiam abrigar sob sua sombra um vilarejo, sendo derrubadas. Será que eles não percebem que ainda durante cem anos vão sentir essa destruição? ”

A incessante busca de Mrs. Margareth pela Selenicereus wittii, ou ‘flor da lua’, foi triunfal
crédito: Fundação Flora de Apoio à Botânica

Mesmo desenhando fora dos cânones tradicionais da pintura, no desconforto e no calor desmedido da Amazônia, em cima de um barco, ou com água pela cintura, ou ainda encostada num tronco cheio de formigas e aranhas, e mesmo sob tempestade violenta “embrulhada em capas como crisálidas” e quase sempre… sozinha, Margaret procurava apanhar o instante da floração das plantas. É tocante o relato da descrição de espécie rara de cactos, o Selenicereus wittii, ou ‘flor da lua’. Sua floração acontece na calada da noite e somente uma vez ao ano. “Enquanto eu me postava ali, com a orla escura da floresta ao meu redor, sentia-me enfeitiçada. Então, a primeira pétala começou a se mexer, depois outra e mais outra, e a flor explodiu para a vida. ”

crédito: Fundação Flora de Apoio à Botânica

Margaret Mee conquistou o mundo com seu trabalho e foi agraciada com o M.B.E. (Membro do Império Britânico) e com a Ordem do Cruzeiro do Sul (Brasil). Em 1989 nasce a Fundação Botânica Margaret Mee, hoje Fundação Flora de Apoio à Botânica. Esta visa formar e aprimorar tecnicamente ilustradores botânicos, cujo enfoque é a floresta brasileira, com bolsas de estudo de seis meses no Royal Botanic Gardens Kew, em Londres, Inglaterra.Ilustração cajuzinho usada como ponto final das matérias da vmmv

foto 1940 Aquarela de M. Mee
crédito: acervo: Sítio Burle Marx

*Matéria publicada origianalmente no nosso blog Viagens Plásticas do Viagem Estadão

 

ViramundoeMundovirado
"Viajamos para namorar a Terra. E já são 40 anos de arrastar as asas por sua natureza, pelos lugares que fizeram história, ou pela cultura de sua gente. Desses encontros nasceu a Viramundo e Mundovirado."

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