Na arena com os Yawanawa
Oito dias em paragens inexploradas curtindo festas e rituais para conhecer os Yawanawa, nos revelou de onde vem nossa paixão pela música e a dança, nosso gosto de brincar, de se enfeitar e de tatuar a pele. Eis uma viagem rumo à origem do nosso universo onírico
O barqueiro embica a canoa rasgando a areia da única praia que existe por aquelas bandas. Capengas depois de oito horas navegando, enfim chegamos! O sol dourado da tarde deixa a água do rio parecendo purpurina líquida, e o alto barranco ainda não nos deixa ver a aldeia Nova Esperança onde iremos passar os próximos dias. Endereço completo? Terra Indígena Yawanawa, Rio Gregório, município de Tarauacá, Acre.
Já no alto do barranco a paisagem que dali se avista nos autoriza a pensar no início da Terra em plena floresta amazônica, quando dezenas de retumbantes crianças de pele cor de canela mostram o coração no sorriso.
Serão oito dias festivos para os Yawanawa. O nome da etnia vem de yawa, queixadas e nawa, gente. É o ‘povo das queixadas’, como eles se autodenominam, pois tal qual os animais dessa espécie, vivem e fazem tudo junto.
Na última semana de outubro acontece na aldeia o Festival Yawa. É quando todos vestem saia de palha de buriti, tatuam o corpo com os kene – belos desenhos corporais – e colocam seus cocares feitos de taboca e enfeitados com penas. E preparam o gogó, pois tudo é embalado por cantorias. Cada atividade é acompanhada por cantos, os saytí, e cada brincadeira tem um significado e uma lição especial: a do peixe-boi, a da abelha, a do jabuti, do macaco, da queixada, e do yuxin, espíritos da floresta.
O trabalho na aldeia é comunitário, plantam mandioca, banana, milho, batata doce, mamão, abacaxi e urucum. Acima de tudo se recusam ter televisão. Mas, nem pense que isso significa que deram as costas à vida moderna. Qual o quê. Utilizam a internet e os jovens frequentam as universidades de Rio Branco. Contudo, a maior força desses indígenas está em receber os visitantes, “a hospitalidade é nossa história’, revela o cacique Biraci Brasil.
“Não temos histórias de conflitos sangrentos em nossa aldeia. Eu tenho acompanhado que as pessoas olham para os povos indígenas com preconceito e discriminação. Sem nos conhecer, não sabem que somos várias nações, cada uma com sua cultura própria”. Daí o festival que compartilha costumes, espiritualidade, conhecimento das plantas, cantos, e principalmente alegria. A festa tem atraído também indígenas da América Latina e do Canadá, além de visitantes brasileiros e europeus.
Antes do início de cada ritual é feito um aquecimento com cantos e movimentação dentro da grande oca. Ao anoitecer, os Yawanawa se preparam para a solene cerimônia do chá sagrado, a ayahuasca, ou ‘vinho das almas’ como definem nossos vizinhos peruanos. Feita com cipó jagube e folhas de uma árvore chacrona, a bebida ensina ao pagé onde se esconde a morte, o que provocou determinada doença, se é do corpo ou da mente, e quais os espíritos devem ser invocados para obter a cura.
Os Yawanawa regalam-se quando o não índio dança na arena com eles. Se o convidado não quiser ter a pele pintada com tintura do jenipapo, que misturada ao leite da árvore cipá e uma resina cheirosa, resulta em um tom negro retinto, que cada vez que molha fica ainda mais vivo – e que só sai depois de 20 dias – eles indicam a feita com urucum, de tonalidade vermelho zarcão. Dois dias depois, ela já não dá sinais.
O ritual Mushu Ikinai, por exemplo, é um arranca rabo alla indígena. Quando pinta um perrengue com algum amigo ou parente não ficam no bate-boca ou se estapeando. Aquele que se sentiu ofendido convida o agressor para um desafio no centro da roda, e cada um tem direito a dar 3 ou 4 golpes no outro com uma longa vara. A chibatada é tão forte que a madeira se abre em lascas. O grito que surge, misto de dor e de alegria, serve de limpeza do corpo e da mente, e as contas se ajustam no ato.
O bate e volta também funciona na medicina dos Yawanawa. O kambô, é uma ‘vacina’ aplicada na perna ou no braço e aumenta a resistência do organismo contra os vírus. Ela é feita com a secreção altamente tóxica produzida pelo sapo cururu, e serve como defesa contra seus predadores. Mais leve é uma mistura de cinzas de ervas, rumê, espécie de rapé, utilizada com finalidade de clarear a mente. O tranco é a aplicação: o pó é inserido com um forte assopro do pagé, diretamente nas narinas, por meio de um instrumento feito de ossos de gavião.
Essa inusitada viagem nos mostrou que todos fazemos parte dessa cultura antiga. E ainda nos ensinou a desenvolver nossa florestania, a cidadania do homem com a floresta.
Como chegar
Da capital Rio Branco são seis horas de viagem de carro pela BR 364 até o porto de Tarauacá. De lá são mais oito horas de barco a motor navegando pelo Rio Gregório. No percurso aproveite para observar a exuberância das árvores e aves amazônicas e a dica é levar um guarda-chuva grande para se abrigar do sol.
Onde ficar
As acomodações na aldeia são muito simples, pode-se estender redes de dormir nas casas palafitas dos indígenas, ou nas salas de aula da escola. O ideal é levar roupas leves, maiô, uma rede com mosquiteiro é indispensável, água mineral, repelente, chapéu e filtro solar. Inclua ainda uma mantinha, pois, a temperatura despenca durante a noite. Há banheiros coletivos e os banhos são no rio Gregório.
Os Yawanawa organizam café da manhã, almoço e jantar, mas vale se abastecer com algumas barras de cereal, castanhas ou bananas passas para um reforço entre as refeições.
Quem organiza a viagem
Bosco Turismo: bosco.turismo@gmail.com