A exposição “Toulouse-Lautrec em Vermelho”, no MASP, em 2017, te despertou paixões? Sossegue, não foi só com você, não. Saiba que um cartaz do artista ocupava lugar de honra no atelier de Pablo Picasso, e o cineasta Federico Fellini afirmava que sempre pensou em Toulouse-Lautrec como um irmão e amigo. Já Woody Allen, disse que o admirava e que não poderia deixar de incluí-lo em uma cena de “Meia-noite em Paris”.
Me incluo também nessa lista de apaixonados por Henri de Toulouse-Lautrec, daí viajei atrás dele. Fui para Albi, sudoeste da França, onde o artista nasceu.
Queria saber mais sobre esse cara que inventou a pintura em movimento, e na contramão dos pintores da época que se extasiavam diante de entardeceres acobreados, mostrou o calvário da vida das prostitutas nos bordéis franceses.
Chego em Albi depois de prazerosa viagem de trem vinda de Paris. Deixo a velha estação a pé, caminho algumas quadras e já me hospedo no centro histórico com suas ruas medievais, aonde casas, catedral, e palácios foram totalmente construídos em tijolos.
Pincelada de ouro do sol da tarde, a cidade ganha um doce tom de tangerina madura, daí o apelido de ‘A Vermelha’, tal os cabelos soberbamente ruivos das dançarinas de cabarés que ele retratou.
O verão europeu com seus dias mais longos me permite ir ainda na mesma tarde no museu dedicado ao artista. Quase todas as obras que ele criou estão expostas em várias salas do imponente Palácio Episcopal: suas garatujas de criança, os desenhos dos jardins dos castelos de Malromé ou Du Bosc, onde passou sua infância e adolescência, e os famosos cartazes do jovem Lautrec, então com 27 anos, que se tornou o maior cronista de sua época.
A poucos passos do palácio fica a casa onde Henri nasceu, e aos 14 anos, em intervalo de seis meses, caiu da escada, quebrou as duas pernas que se atrofiaram e não mais cresceram. Um muro e portão altos, além das janelas cerradas, pouco deixam ver a casa. Uma vizinha me informa que os atuais moradores não abrem o palacete à visitação.
De repente me dou conta da tristeza que ainda hoje impregna a casa onde aconteceu essa tragédia com uma criança e que marcaria para sempre sua breve vida.
Manhã seguinte, mais Toulouse-Lautrec? Peraí me diz Albi, tenho muitas mais coisas para te mostrar. Concordo e volto ao coração medieval de Albi (pronuncia-se Albí), nome que talvez derive de alba, cor branca em latim.
As construções são um extraordinário maciço que avança para o céu com torres, campanários, pórticos, arcadas, escadarias e rampas. Todo esse volume ocre avermelhado pousa no frescor verde do jardim à francesa com seus arabescos que circundam canteiros de flores.
No calorão, faço uma pausa na praça central para saborear um sorvete de framboesa ‘pink et frais’ servido com um branco seco Clos de Mages, vinho muito aromático produzido nos campos da região de Tarn, arredores de Albi.
Atenção amantes de vinhos: as uvas dali são trabalhadas no ritmo do sol, da lua e das constelações! Vocês também se encantarão com a charcuterie, além dos queijos de leite de cabra como o Montgrieu, ou Le Pic, e o cochon apalhat, porcos criados na palha e com alimentação diferenciada. Tudo isso cai bem com vinhos, certo? E, Lautrec trazia sempre consigo um pequeno ralador e uma noz-moscada para perfumar os copos onde iria beber vinho do Porto. Bebia de tudo, desde absinto à aguardente de taberna, rum, e sua bengala ocultava um vidro sempre cheio de alguma bebida forte.
Em Albi eu veria ainda um eco de minha admiração por Toulouse-Lautrec nos rostos dos inúmeros visitantes do mundo todo. E, não fosse por esse artista, um dos maiores do século 19, eu não teria conhecido essa cidade adorável.
Para saber mais: www.albi-tourisme.fr
Matéria publicada originalmente no nosso blog Viagens Plásticas do Viagem Estadão