“Leões, rinocerontes, e hipopótamos, ahh, vê-los livres na savana dourada!
Vou remar no Rio Okavango que não deságua no oceano, ou em outro rio. Sabe onde o danado se espalha livremente? Nas areias do deserto de Kalahari formando o delta interior mais espetacular do planeta.” Estas palavras de meu eufórico companheiro de viagens contrastavam com as minhas: “quero ver as siricates que ficam de pé no cocuruto da toca escorando-se no rabinho”. Assim, com expectativas tão desemparelhadas, aterrizamos na pista que do alto me sugeriu uma passadeira estendida sobre a mata. Acolhi nessa hora um sol vangoghiano como bom augúrio de nossa estadia em um Tented Camp, na Botsuana.
Nestes acampamentos organizados que pontilham pelo delta, as barracas, cerca de oito, são montadas sobre piso de madeira, e distantes umas das outras. Espaçosas têm um pequeno armário e duas camas de solteiro com grossas cobertas de lã, pois as noites são gélidas. Como durante o dia o interior fica escaldante, há janelas e portas feitas de tela. Todas se fecham com fortes zíperes. Na parte posterior fica o banheiro: amplo, com indiscretas paredes de bambu de 1,80 metros de altura, e o céu por testemunha. As refeições são servidas no boma, prazerosa área comum, onde os hóspedes também consultam livros para se inteirarem sobre as feras malignas que circulam no quintal.
“Vamos curtir selvafricamente nossa primeira noite na savana! Só vou descer as telas contra mosquitos. Que entre a lua, e os ventos tragam todos sons e aromas”, ahh, sempre over este meu par, pensei, mas cansada da viagem, resolvi não argumentar e de imediato, dormi. Pouco. Fomos despertados pela mais tenebrosa voz que se ouve por aquelas bandas: o atroador urro de um leão. Mas, quanto longe ou terrivelmente perto ele estava? No meio de avóssuplicamosgemendoechorando, ouvimos passos ao redor da barraca. Em uma fração de segundos fechamos tudo o que poderia ser fechado, e nos acocoramos na mesma cama sob os cobertores. Começamos a prestar uma atenção odiosa aos barulhos, quando ouvimos, ai, ai, ai um pulo e passos sobre a esteira do banheiro.
Olho confiante para Ettore, pois ele – sempre – sabe o que fazer, em situações de emergência, mas, perplexa o vejo munido de um canivete suíço. Xiiii a coisa esta braba. Percebo que ele me fala algo que só adivinho pelo movimento dos lábios, pois os quatro mil integrantes da bateria da Mangueira estavam em apoteose no meu peito. Santo Antoninho de minha devoção ouço sininhos agora? Serão os anjos? Mas, já? Ettore iluminou com uma lanterninha na direção do dlindlins, e vemos as chapinhas de metal das pontas dos zíperes sendo forçadas por uma monstruosa, amarela e peluda pata. Agora, um rabo roça os pés da cama. Para nosso horror, o monstro pula na cama ao lado, rosna deixando à mostra vampirescos caninos, se alonga,…. boceja e se acomoda.
Não era um leão, sem dúvida era um felino, maior do que um gatão e menor que um leopardo, mas como saber sua ferocidade? O vigiamos a noite toda inteirinha, e assim que amanheceu ele ronronou e saiu de mansinho pela direita. Nós, chispamos pela esquerda.
“Oh, are you early people! Acordaram cedo sorri Jeff, nosso guia. Contamos a ele sobre nosso hóspede metido a besta, identificamos em um livro o civet, e ele sacou que perseguido pelo leão, ele buscou refúgio em nossa barraca. E se fosse um leão, o que deveríamos fazer? Jeff nos respondeu com aquele sarcástico humor inglês: “Enjoy yourself”.
Texto: Silvia Reali
Fotos: Heitor Reali