As cores da paisagem na região de Tequila, uma hora a noroeste de Guadalajara, México, se revestem de pátina doce e pálida. Sugerem pinturas impressionistas com nuances de cinzas e verdes azulados. Mas ali, o colorido se dilui por obra das nuvens e da fumacinha do vulcão Tequila, com sua dominante silhueta atrás dos extensos campos de agave. Apesar de dormido, como dizem por lá, o vulcão nem de longe parece estar sossegado.
“Uma imensa plantação de abacaxis gigantes”, foi minha primeira impressão, mas na verdade se tratava de agave azul, um tipo de babosa da família das xerófitas, planta muito semelhante a um pé de abacaxi. É dela que vai ser produzida a bebida mítica dos mexicanos –a tequila. Os registros mais antigos relatam que há mais de 1.700 anos já se consumia um destilado com as características da tequila. Os nativos o chamavam de pulque.
Nossa viagem sobre a tequila começa aqui. As extensas plantações de agave azul são semeadas em fila, e nos campos trabalha o jimador com seu inseparável chapelão e bigodões bem aparados. Com a coa, um afiadíssimo instrumento, vai cortando as folhas azuis até surgir uma robusta piña.
Naquela imensidão azulada quase o único som que se ouve é um chhiiiiif, agradável e ritmado das lâminas cortando as folhas. A planta agave (Agave tequilana) cresce em solo rico e arenoso, e em altitudes superiores a 1.500 metros. Para desenvolver o miolo, a piña, que pesa de 35 a 90 kg, são necessários de sete a dez anos.
Da piña, cozida durante 72 horas nos antigos fornos, trabalho supervisionado pelos experientes horneros, se extrai um sumo que fermentado e destilado produz a bebida nacional. Mas, atenção dizem os jaliscienses, só o destilado produzido a partir da planta agave azul, e produzido na região de Jalisco, tem o direito de ser chamado Tequila. A partir de 1977 recebeu a Denominação de Origem Controlada, o que colocou a bebida nacional mexicana nas prateleiras das adegas do mundo todo.
Os índios tiquilas ou tiquilos maceravam com água o miolo da planta, deixavam fermentar, utilizavam a bebida em rituais e para fins curativos, chamando-a de “bebida dos deuses”.
Nos muros da imponente pirâmide Cholula, perto da Cidade do México, foram descobertas pinturas onde astecas, maias e toltecas estão ao lado de folhas de agave. Outros afrescos, desta vez no Palácio Nacional da Cidade do México, o muralista Diego Rivera (1886-1957) retratou o mais importante mercado asteca que ficava em Tlatelolco, atual Cidade do México. Em uma das pinturas vê-se a bancada de um curandeiro asteca com diferentes ervas, dentre elas as longas folhas da planta.
A palavra tequila, talvez derive de tequitl, que significa trabalho, ou de tequi, trabalhar. Hernán Cortés conquistador espanhol, que em 1519 invadiu o México, provou a bebida à qual ele e sua tropa deram o nome de aguamiel. Cem anos mais tarde o padre espanhol Francisco Ximenes deixou um minucioso legado, com requintes de connaisseur: como o sumo era cozido, e depois de fermentado resultava em uma “espécie de vinho saboroso com toques de laranja e melão”. O chef mexicano Arturo Herrera lembra que Frida Kahlo era uma artista também na cozinha com pratos sempre regados a tequila ou mescal, destilados à base de agave.
Os campos agaveros, indissociáveis da paisagem jalisciense, foram reconhecidos pela Unesco como Paisagem Cultural da Humanidade e sua indústria emprega cerca de duzentas mil trabalhadores.
Os mexicanos gostam de degustá-la derecho, pura, – isso é para os que têm gargantas fortes, “deve queimar pero sin molestar”, afirmam – ou banderita, com sal e limão. As mulheres preferem as variantes mais suaves e sofisticadas, as margaritas, com gelo moído, sumo de limão e cointreau.
Para uma boa margarita, o que vale além da qualidade é a proporção, ensina Juan Rodrigo, barman que preparava essa bebida para a atriz Elizabeth Taylor, quando viveu em Vallarta, então um simples povoado de pescadores. De textura levemente oleosa, o que se comprova girando o copo para que o líquido se impregne nas paredes, deixando escorrer as piernas, ou lágrimas. Já seu aroma sugere frutas, madeira e especiarias, e quanto à cor, dependendo de seu envelhecimento encontra-se desde o tom cristalino até o âmbar avermelhado,
Suas categorias são assim definidas: Tequila Branco, após destilada a bebida fica trinta dias em tonéis de carvalho; o Reposado de dois a seis meses, e o Añejo descansa três anos. A etiqueta impressa na garrafa – 100% agave azul – atesta a superior qualidade e pureza da bebida, fabricada com rígidas normas de qualidade.
É possível agendar a visita de todo processo de fabricação da tequila, desde o cultivo até a degustação, na mais antiga destilaria, de Jalisco, a Mundo Cuervo. Depois de percorrer suas instalações, chega-se a seção mais concorrida, a da degustação, cuja sala é afrescada, desta vez com o vívido e intenso colorido mexicano. Nas paredes o mural do artista Carlos Terres retratou o “Baile com los listones”, dança com fitas que faz parte da festa da colheita, e a bela deusa Mayahuel, que oferece o sumo místico do agave azul.