Há um mistério às margens do igarapé Rego Grande, Amapá. Daqui a litorânea Calçoene são 18 quilômetros de estrada poeirenta onde, em imagens justapostas, surgem terras florestadas, campos naturais, igapós, e raras casas cercadas por pastos. Tudo abrasado pelo sol que deixa o tempo úmido e mormacento.
O enigma se instala a partir de uma porteira. Ela se abre para uma paisagem em contraluz e cada vez mais vasta, imponente, na qual aos poucos vou distinguindo, encimando um morro, um enorme círculo de pedras.
Ali em um diâmetro de 30 metros estão distribuídos 147 blocos de granito, alguns com 4 metros de altura, pesando até quatro toneladas.
A visão é espetacular e, à medida que me aproximo, só penso no seguinte: como ele foi construído? De que jeito os homens ergueram aquelas pedras no meio da mata? O círculo domina a cena. Sua dimensão e a quantidade de pedras levaram os arqueólogos brasileiros a pensar que uma sociedade indígena relativamente complexa, com alta densidade populacional, habitou o Amapá muito antes da chegada dos europeus.
Agora, este conjunto de pedras maciças, com cerca de 1500 anos, é o novo pote de ouro de nossa arqueologia. O local acaba de ser batizado oficialmente como Parque Arqueológico do Solstício, o primeiro do Brasil.
Qual seria o mistério do Círculo de Pedras da Amazônia?
Forçando a barra, diríamos que guardando as devidas proporções de tempo, história e dimensões, tem alguma semelhança com Stonehenge, o famoso círculo de pedras pré-histórico da Inglaterra. Por isso, ganhou o apelido de Stonehenge amazônica.
Envolvido pela ambiência deste Brasil primordial, ainda cheio de tesouros imperscrutáveis, me encanto com a psicologia do lugar. Majestosa em seu profundo silêncio, sobretudo ao entardecer, quando as sombras das pedras milenares se alongam.
O final do dia na floresta amazônica ameaça não acabar nunca naquela explosão de cores fauvistas. Só que, de repente, como num apagar de luz, a escuridão. E uma miríade de estrelas faiscantes começa a iluminar a noite. É quando um mundo de histórias fantasmagóricas se alinha à descoberta, pois o lugar tem fama de mal-assombrado. São narrativas insólitas, malucas e surrealistas.
Tudo contado por Garrafinha, como gosta de ser chamado Lailson da Silva. Este mateiro fora contratado em 2005 para pôr fogo na mata, e abrir pasto para a criação de búfalos nessa região. Por milagre, o fogo não foi longe, e quando a fumaça se mandou, vejam como são as coisas: um dia o cara toca fogo na floresta; no outro, entra para o panteão da arqueologia brasileira com a descoberta desses monólitos.
… “uma vez, logo depois que encontrei o sítio arqueológico (eu não disse que ele ficou importante?) um cara tirou do local um vaso cerâmico e levou para casa. A partir desse dia, toda noite, ele acordava levando porrada não sabia de quem. Só depois de tanto tabefe é que alguém juntou o fato com o roubo da cerâmica. Então ele recolocou o pote no mesmo lugar do círculo e a partir desse dia nunca mais apanhou da assombração”.
Garrafinha, que hoje é guarda-parque do sítio, e sua mulher Nilza, vivem espantando almas penadas, e contam muitos casos de visagens, luzes vermelhas que flutuam e ruídos estranhos por aquelas bandas.
Existe alguma coisa que vai além dessa descoberta. É a psicologia do lugar. Imponente em seu profundo silêncio, sobretudo ao entardecer, quando as sombras das pedras milenares se alongam.
O elo entre o universo fantasioso e o mundo real requer mais do que uma passagem secreta, uma pedra ou uma palavra mágica. A pesquisa de campo faz a conexão. O primeiro “eureca” surgiu já nos primeiros dias, com a chegada dos pesquisadores: ao estudarem a posição do maior bloco de pedra do sítio, logo intuíram que o conjunto deveria ser um gigantesco calendário.
Não foi preciso esperar muito para comprovar. Aquele monólito projeta todos os dias uma sombra no chão, mas ela desaparece no solstício de inverno, 21 ou 22 de dezembro. Nessa data, ao alcançar sua posição mais alta no céu (o chamado zênite), o Sol está logo acima da pedra, de forma que ela, durante todo o dia, não projeta sombra nenhuma no chão.
As teorias são muitas, mas todas continuam batendo na trave desse magnífico e intrigante Círculo de Pedras, que abre uma fresta para o que teria sido a riqueza cultural indígena daquela região.
Quem leva:
Cupuaçu Turismo: www.gilsontorres.wix.com/cupuacuturismo tel.: 96-98111-1561