– Se o estado de saúde de seu pai se agravar, ligo para você da UTI.
Médico idiota, como acha que vou passar, agora, esta noite neste quarto de hospital? Imagino que uma sala de tortura não precisa ser muito diferente, pois aqui também há um torturador, na forma deste maldito telefone. Enorme e negro, um pássaro de mau agouro. Ele dará o destino do meu pai. Seu disparar terá para mim o mesmo significado do polegar virado para baixo, daqueles que decidem entre a vida e a morte.
Com o passar do tempo, uma angústia se instala em meu peito com níveis cada vez mais elevados de aflição. Meus olhos estão cansados de tanto olhar para aquele abutre. Não se atreva a tocar seu filho da puta. Se fizer, juro que te estraçalho, vai sumir para todo o sempre. – Não havia um telefone aqui? Vão perguntar. Não sei, não vi! Experimente dar um sinal, uma vezinha só seu telefone ridículo, com esse dial grandão. Emprestava para o Chacrinha colocar no pescoço, seu monte de merda? Você não passa de um telephone´, ou pensa que é um classudo Bang & Olufsen? Dê um trim sequer e será seu último, pois te dou uma pernada, um golpe de karatê, um rabo de arraia que você vai sair voando pela janela. Pense bem antes de soar, não estou blefando.
A noite sobra. Cada minuto da vida nunca é mais, é sempre menos. Suspense em estado bruto. Frio na espinha, gelo na alma, isso é balela meus caros. É a secura da garganta que faz um efeito devastador. Litros e litros de água não aplacam a voracidade do medo e da sensação de uma tristeza eminente. Não abandono por nada meu posto. E se esse puto tocar e eu não estiver aqui? Não paro de andar pelo quarto fazendo figa. Na largura são cinco metros, no comprimento uns oito, na diagonal devem ser 10, mas a cama atrapalha. Nas horas que passam devo ter percorrido quilômetros revivendo cada momento da minha vida com meu pai.
O sol começa a fitar o quarto. Todos os meus pensamentos em uma obsessão. Por favor, não toque! Vou ao banheiro, deixo a porta aberta para não desgrudar os olhos do meu algoz, triturador, sei lá o que ele representava.
Não!!! Meu coração dispara: o telefone tocou. Só pode ser ele. Conheci o terror por dentro. Mas peraí, é toc-toc e não trim-trim. Vejo a enfermeira entrar no quarto. – Olá, vim te avisar que seu pai melhorou. Tentaram várias vezes ligar da UTI durante a noite para você, mas a chamada não se completava.