Há algo de ficção científica no ar
Para quem viveu intensamente o final da década de 1960, vai se lembrar da série de TV, ‘Além da Imaginação’ – para os mais novos, a série foi relançada no começo de 2019. Era comum, em algum episódio, alguém ser abduzido para um planeta desconhecido. Pois, essa é a exata sensação que sinto nesse lugar.
Há dias caminho numa natureza abandonada, inóspita, árida e descolorada. Extrema.
Local remoto, mas que ao contrário da minha imaginação está bem perto, na vizinha Argentina. É o Parque Nacional de Ischigualasto que em 2000, por sua singularidade, foi declarado pela Unesco, Patrimônio Natural da Humanidade.
Na vastidão silenciosa reinam pedras que parecem empilhadas à toa, ou gigantescos rochedos lapidados pela água de mil lagos quando submersas, e hoje são matéria-prima do vento que perfeccionista nunca dá por terminada sua obra.
Naquela natureza, vejo arte em cada mirada
Cada passo para dentro do vale desértico me conduz a uma era geológica. Uma delas era quando os dinossauros dominavam a exuberância dessa amplidão moldada especialmente para os selvagens grandalhões. Ando sobre cinzas vulcânicas e sob meu pés jaz um cemitério desses mastodontes pronto a revelar segredos de 200 milhões de anos, dizem os cientistas.
Mas para mim, além desse invisível segredo, como compreender porque pedras aos montes num chão poeirento podem me seduzir tanto?
Será a desolação de um campo polvilhado de bolas de pedra que racham com o calor? O local me sugere uma cancha de bocha de gigantes que sem nenhum espírito esportivo desistiram da partida, e largaram tudo bagunçado.
Ou será porque podemos ver hoje como foi o dia seguinte do cataclismo quando a placa do Pacífico se chocou com a costa, deixando tudo fraturado e o contrário exposto? O que era fundo de mar virou montanha, daí lá no cocuruto desses montes se acharem conchas. Ou ainda será a quase ausência de vida animal, de verde e de gente? Afinal, até agora só vi um condor que vive mais perto do céu do que da terra, e um punhado de viajantes, além de ciclistas e aventureiros que curtem locais intactos do planeta.
É quando se dá o inesperado. Estou sentado aos pés de uma montanha esperando o sol se pôr. Quando ele se foi fiz a foto, e como o vento desse uma trégua, fico submerso na quietude. De repente parece que mergulho em outra realidade. Na hora duvidosa entre a claridade e a noite, vejo que ao meu redor passeiam tranquilas duas raposas, um bando de vicunhas e pequenos avestruzes mimetizados ao cinza do solo.
Onde eles estavam minutos antes? Foi um instante mágico.
O vale não é apenas o único lugar do mundo onde se podem ver os quatro tempos geológicos juntos, e as montanhas não são somente formações rochosas de diferentes eras como me explicam os guias:
“somos a Disneylândia para os geólogos”
Remanescentes da convulsão que não deixou pedra sobre pedra, as montanhas já viram de tudo por aqui, conservam conchas, gravaram veios onde antes a água corria em ondas, enfim, são a memória da Terra esculpida pelo artista vento, o único que continua trabalhando por aqui.
A viagem foi para mim oxigênio puro.
E se você quiser saber mais sobre nossas andanças e hospedagem na Província de San Juan, onde o Parque se localiza, confira esse artigo sobre a inesquecível Posada Paso de Los Patos.
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