Por que o mar nos atrai tanto? E por que a presença do oceano está tão ligada ao imaginário humano? Talvez por significar conquistas marítimas, a liberdade, o desconhecido, férias, ou mesmo porque as paisagens marinhas estão entre as mais deslumbrantes da natureza. Na ilha do Sal, uma das dez ilhas vulcânicas do arquipélago de Cabo Verde, o azul cobalto do mar está em todos os lugares. Mas não espere ver praias extensas rodeadas de palmeiras. O litoral dali tem outra geografia. Ainda bem! Por que cargas d’água tudo deveria seguir um modelo?
Desembarcamos no aeroporto da cidade de Espargos, e seguimos para a vila de Santa Maria, principal centro de turismo esportivo cabo-verdiano. As primeiras imagens revelam uma cena incomum para os brasileiros: a falta do verde. O azul forte do Atlântico contrasta com os tons terrosos da ilha sob o céu azul pálido, sem nuvens. De cores, só essas.
Há grandes semelhanças entre essa ilha e o Deserto do Atacama, com mar. Também podemos sentir uma pitada de um Caribe francês, de uma África mulçumana ou mesmo do Brasil. Mas, a Ilha do Sal para seduzir não precisa ser comparada a nenhum outro lugar.
Em Santa Maria iniciamos uma viagem gastronômica e musical ao mesmo tempo. São oito quilômetros de praias de areias claras e fofas onde ficam os principais hotéis do arquipélago. Na orla é possível fazer um circuito pelas barraquinhas e provar petiscos de lagostas, camarão, e de peixes tudo fresquinho e temperados com diversos condimentos da cozinha africana. Mas, atenção, nunca comece esse roteiro com prato tradicional de Cabo Verde, a “cachupa”, por quê? Nesse cozido à moda portuguesa, entram milho amassado no pilão, feijões, verduras, carne e toucinho, e é quase tão substancioso quanto a nossa feijoada. Cada quiosque também se esmera na apresentação de shows musicais ao vivo. A paleta musical cabo-verdiana é enriquecida com ritmos quentes africanos, como o funaná, a coladeira e o finançon. Todos viajantes são convidados a entrar na dança.
Se as ondas de Cabo Verde, principalmente as da Ilha do Sal, se gabam de serem tão boas quanto as do Pacífico, o arquipélago não é exclusivo dos surfistas. Ali os ventos dão o ar da graça e ajudam a empurrar o turismo impulsionando os esportes náuticos, como a vela, o windsurf e o kittesurf. Não por menos, a praia de Santa Maria e a de São Pedro, na Ilha de São Vicente, sediam etapas do circuito internacional do windsurf.
E por falar em ventania, em Cabo Verde tem uma curiosidade que vale a pena saber: as ilhas são ponto de encontro de diferentes ventos provenientes da savana africana. Correntes de ar, lufadas, pé de vento, se cruzam criando redemoinhos que por sua vez se transformarão nos assustadores furacões que se abatem sobre o Caribe e a América do Norte
Outro esporte praticado na ilha queira-se, ou não, é o off-road, caso contrário não se vai a lugar nenhum. De superfície árida, arenosa, plana, rochosa, e boa parte sem trilhas, a ilha obriga a esta atividade, e oferece muitas alternativas em trajetos de diferentes poeiras para alcançar seus principais pontos de atração. Alugamos uma Toyota e percorremos essa planície que, sob a reverberação da luz, sugeria uma lagoa transparente desfeita em vapores. Sob o sol cáustico, os povoados têm arquitetura singela, com edificações de dois pavimentos e amplas janelas para dar passagem à brisa fresca da noite.
Logo alcançamos a Buracona, uma piscina natural no oceano. Possivelmente em erupções passadas uma rocha fechou a passagem do mar, represando as águas translúcidas. Nadar ali, ao lado da fúria das ondas do oceano que rebentam com grande alarde, é também singular privilégio. A piscina é entrada de cavernas submersas para mergulhadores experientes à procura de peixes arco-irizados. Outra prática que vem à tona é o diving nos bancos de corais que circundam boa parte da ilha.
De volta à estrada, agora em direção ao ponto turístico mais importante da ilha, e talvez de todo o arquipélago, – Salinas de Pedra do Lume – distantes 20 km de Buracona. O nome Ilha do Sal não é à toa. Deve-se à grande quantidade de salinas de onde se retirou, no século passado, seu principal produto de exportação. A salitreira Pedra do Lume está no interior da cratera de um vulcão extinto, quase ao nível do mar. Por osmose as águas salgadas do oceano são transferidas para o interior da cratera, criando uma infinidade de pequenas lagoas que ganham força com contraste das cores ambarinas.
Suas águas, com salinidade – 26 vezes superior às águas do mar -, têm propriedades curativas e estéticas, e reconhecidas em todo o mundo, são indicadas para ativar a circulação, além de natural esfoliante para a pele.
Mas achar que a natureza é o mais surpreendente em Cabo Verde não é tudo, é preciso mencionar sua gente espontânea e que ama a música. Todos falam crioulo, uma mescla de português com dialetos africanos, e as mulheres são geralmente fortes, bem torneadas, como se fundidas em bronze. Têm olhos levemente puxados, adoram se vestir com cores vivas e quase sempre usam os cabelos trabalhados em tererê, no qual fitas e contas criam um divertido grafismo.
Ao deixar Sal, minimalista, natural, solar, descomplicada e pura, puxei conversa com o cabo-verdiano ao meu lado: O que vocês plantam nesta ilha? “Nada, os agricultores aqui só cultivam o verão, e o ano todo”.
*Matéria publicada originalmente em nosso blog Viagens Plásticas do Viagem Estadão