A primeira coisa que me vem à mente quando ouço a palavra fonte é o som da água escorrendo na pedra num chape-chape quase sempre repetitivo. Mas, não essa fonte. Nessa os jatos d’água irrompem de formas desordenadas, caem em cascatas, os esguichos zunem, zumbem, respingos gotejam e juntos criam sonoridades diversas. A segunda, a imagem de um bloco de pedra cinza. Dessa não. Ela é leve visualmente, e ainda multicolorida com listas e grafismos.
E mais, as obras que compõem essa fonte, em Paris, não são estáticas. Elas giravolteiam ao redor de si mesmas, gingam, ou se movimentam com engrenagens, molas, rodas, alavancas e espirais. E, ainda mais, as peças tem humor, despertam alegria, sem esquecer da função da fonte que é a de convidar a uma pausa. Por isso toda borda da fonte é um imenso banco.
Essa fonte foi pensada pelo casal de criativos artistas, o escultor suíço Jean Tinguely (1925-91 ) e a pintora francesa Niki de Saint Phalle (1930-2002). O primeiro desafio era ocupar o espaço vazio rodeado de edifícios totalmente opostos: predinhos tipicamente parisienses com bistrôs e mesinhas na calçada, a fachada moderna de tubos e canos aparentes do Centro Georges Pompidou e a medieval igreja de Saint- Marri. E mais, o objetivo da fonte era homenagear o compositor russo Igor Stravinsky.
Tinguely e Niki deixaram visível a música com as peças que aludem as composições de Stravinsky: O Rouxinol, A Clave de Sol, A Espiral, O Amor, A Cornucópia, e a que parece reger todas as peças no espelho d’água com suas asas abertas, o grande Pássaro de Fogo, coroado de plumas de ouro. E também com a sonoridade da água em permanente movimento que jorra das mangueiras em esguichos, respingos, cascatas e chuviscos.
O bacana dessa história é que cada um não ficou na sua! Eles uniram suas obras, incompatíveis que pareciam nunca dar liga. Niki criava peças em resina multicoloridas, e Tinguely com sucata criou arte em gambiarras caóticas.
Deu no quê essa união? As peças de Niki ganharam movimento, por isso ficaram ainda mais lúdicas. Já as de Jean, um amontoado ciclópico de tralhas, ganhou mais vida com as cores. Juntas nessa fonte, elas não destoam nem desafinam – se valorizam mutualmente.
Crianças acham que é a fonte da folia, feita especialmente para elas; jovens acreditam que é a fonte da irreverência e ali tiram selfies. Para os que trabalham nos arredores é a fonte da pausa que restaura, e para os estudantes do Centro de Pesquisas de Música Contemporânea que fica ao lado, inspiração para criar novas harmonias e ritmos.
E para mim viajante que sou, tive certeza que foi pensada como local de descanso depois de tanto bater perna pela cidade.
A Fonte Stravinsky apropriadamente fica no coração de Paris, afinal não é a cidade do romance, amour, passion?
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*Matéria publicada originalmente no Viagem Estadão