Desconheço palavra mais bonita do que “Amazônia”: enche a boca, é saborosa e amorosa. Tudo ao mesmo tempo. Em quase todos os idiomas se escreve quase igual, ou muda-se apenas uma sílaba, mas sempre tem a mesma doçura.
Agora quando uma nuvem negra parece querer manchar a cobertura verde, e pitonisa nenhuma é capaz de decifrar o que pode acontecer com nossa floresta, lembro a importância da aquarelista botânica Margaret Mee (1909-88). Além de retratar nossa flora ela protagoniza história de persistência em manter as características de um dos mais importantes ecossistemas do mundo – a nossa Amazônia.
A busca de “Mrs. Margaret”, como passou a ser conhecida, pelas flores brasileiras foi incessante. Dedicou sua vida em retratar nossa flora, sobretudo plantas raras, muitas até então desconhecidas pela ciência, em 15 expedições à Amazônia, a primeira em 1956, e outras tantas ao Cerrado e Mata Atlântica. Algumas espécies foram batizadas com seu nome.
Dois eixos importantes estruturam o trabalho da aquarelista: o aprofundamento de espécies de bromélias, orquídeas e cactos e, ao mesmo tempo, os relatos da destruição ambiental que constatava em cada viagem à Amazônia, principalmente a partir do final da década de 1960, até sua última expedição, em 1988.
Foi uma das primeiras a denunciar o abandono dos ribeirinhos e a dilapidação de nossa flora. Na gênese da sua arte estava a defesa da biodiversidade da flora brasileira e a conservação dos nossos ecossistemas.
“Mrs. Margaret” foi, portanto, uma das primeiras vozes contra o desmatamento e as queimadas na Amazônia quando pairava o silêncio a esse respeito. Depois surgiram outras vozes e, mesmo assim, o problema ambiental só se agravou.
É digna de nota a dedicatória de seu livro “Flores da Floresta Amazônica” ao presidente Ernesto Geisel: “… espero que goste do livro, porque todas essas plantas estão vivas, mas rapidamente se tornarão extintas”. Denúncias como esta eram também transmitidas por Mee aos órgãos oficiais e à imprensa. “É doloroso, um choque visual, ver as árvores, que no passado tinha admirado e que podiam abrigar sob sua sombra um vilarejo, sendo derrubadas. Será que eles não percebem que ainda durante cem anos vão sentir essa destruição? ”
Mesmo desenhando fora dos cânones tradicionais da pintura, no desconforto e no calor desmedido da Amazônia, em cima de um barco, ou com água pela cintura, ou ainda encostada num tronco cheio de formigas e aranhas, e mesmo sob tempestade violenta “embrulhada em capas como crisálidas” e quase sempre… sozinha, Margaret procurava apanhar o instante da floração das plantas. É tocante o relato da descrição de espécie rara de cactos, o Selenicereus wittii, ou ‘flor da lua’. Sua floração acontece na calada da noite e somente uma vez ao ano. “Enquanto eu me postava ali, com a orla escura da floresta ao meu redor, sentia-me enfeitiçada. Então, a primeira pétala começou a se mexer, depois outra e mais outra, e a flor explodiu para a vida. ”
Margaret Mee conquistou o mundo com seu trabalho e foi agraciada com o M.B.E. (Membro do Império Britânico) e com a Ordem do Cruzeiro do Sul (Brasil). Em 1989 nasce a Fundação Botânica Margaret Mee, hoje Fundação Flora de Apoio à Botânica. Esta visa formar e aprimorar tecnicamente ilustradores botânicos, cujo enfoque é a floresta brasileira, com bolsas de estudo de seis meses no Royal Botanic Gardens Kew, em Londres, Inglaterra.
*Matéria publicada origianalmente no nosso blog Viagens Plásticas do Viagem Estadão