Viagem é uma daquelas palavras que não tem tradução única. Além de ser um dos maiores motores culturais do planeta, é também uma espécie de filosofia de vida para muita gente. E, ser original no terreno dessas jornadas é garimpar fora do mainstream turístico.
A viagem, que espelha o momento é brasileiríssima. Uma grande oportunidade de nos envolvermos mais com nossa cultura, nossa gente e a natureza. Os versos do poeta sevilhano Antonio Machado, “O caminho e nada mais/ Caminhante não há caminho/ Se faz o caminho ao andar”, me inspiraram a escolher dois destinos. São viagens, sem razão aparente, mas que ganham significados mais profundos – o da liberdade e que ampliam nosso repertório de imagens.
1- Aiuruoca, Minas Gerais – não é uma aventura radical, é uma aventura contemplativa
Uma viagem a Aiuruoca, pequena cidade na Serra da Mantiqueira, Minas Gerais, é um convite para se enamorar das paisagens, das riquezas naturais e históricas da região, da hospitalidade dos habitantes e da sabedoria da ancestralidade que eles carregam. E mais: o caminhar por áreas verdes também melhora nossa saúde mental, de acordo com o pesquisador Gregory Bratman, da Universidade de Stanford, nos Estados Unidos. A pesquisa do americano reforça a tese do filósofo Mario Sergio Cortella, professor da PUC-SP, que reconhece a importância de caminhar, andar, de preferência em áreas verdes, tranquilas e arborizadas. “Prestar atenção na natureza aumenta nossa capacidade de criar”.
E assim, se prepare para desfrutar três dias de andanças organizadas pela Fazenda São Pedro.
O primeiro dia é um ‘esquenta’. Depois do café da manhã, bem mineiro, o que quer dizer de sustança, iniciamos com caminhadas curtas e paradas para curtir duas cachoeiras – um banho geladinho cai muito bem nessa hora! –, cavalgadas, uma panorâmica que alcança o horizonte a 60 km, ouvir os causos dos agricultores e passear por olivais, uma nova agricultura que ganha qualidade no sul de Minas.
Na volta, almoço e bate-papo sobre a história da centenária fazenda e das curiosidades da região. Mais tarde, relaxar na piscina abastecida com água natural. O dia seguinte será para entendermos que “é com sapatos gastos e olhos livres que se faz uma viagem marcante”.
Saída para o Pico do Papagaio. Rochedo que é a assinatura de Aiuruoca. Tempo e esforço para 18 quilômetros (ida e volta) até o o cume da montanha que está a 2.200m de altitude. Você sai com mil sonhos e volta com outros tantos. É assim que vejo essa jornada de dia inteiro, por trilhas onde se percebe a mudança da vegetação que cobre a Serra da Mantiqueira. Na parte baixa, entre 1000 e 1500m prevalecem a mata úmida repleta de samambaias, bromélias, orquídeas e palmeiras. Na parte alta surgem árvores mais frondosas como a araucária e o mogno. Acima dos 2000m, nos campos de altitude, a vegetação é de arbustos e de um mosaico de flores nos afloramentos rochosos.
No percurso nossa visão se alterna entre panorâmicas que nos trazem de uma só vez toda a natureza do lugar, e close-ups de flores silvestres com perfumes adocicados dessa serra grandiosa. Na volta, jantar saboroso e quarto no capricho, porque ninguém é de ferro.
O fôlego volta, mas não vamos precisar muito dele no terceiro e último dia. Este um elogio à viagem: Vale do Matutu é a experiência de conhecer uma comunidade em harmonia com a natureza. A maior parte será feita por 4×4, Ufa!! Bom, né? Mas não pense que terminaram as caminhadas, são poucas e a maior delas tem quatro quilômetros. Na primeira parada: Sítio Cambará, para conhecer o plantio de frutas e flores da região, e degustar geleias, pimentas e a mostarda produzidas ali. Na sequência no Patrimônio do Matutu, o menu vegetariano prioriza produtos locais orgânicos com vista para a belíssima Cachoeira do Fundo.
Quem leva: Pousada Fazenda São Pedro www.fazendasaopedro.com.br
Dica de leitura antes de ir: “Coisas Que Você Só Vê Quando Desacelera”, de Haemin Sunin
2- Jalapão – O Cerrado Dramático
Vento e mar – artistas da natureza – modelaram o majestoso cenário do Jalapão, no Tocantins. Como essa amarela e colossal duna que lembra um imenso bolo de fubá foi parar no meio da mata verde do buritizal? Que milagre foi esse que deixou plano como uma mesa o topo da Serra do Espírito Santo? E essa geladinha água da lagoa translúcida, me diga como pode ferver? Por que o mimoso capim dourado nunca perde o brilho? Diante da enigmática paisagem do Jalapão, o viajante busca respostas. Não vou dar spoiler, vai lá e conheça as respostas.
É com essa sinopse que apresento a excursão, ou melhor expedição de dois dias desenhada pela Rota Nativa Ecoturismo e Expedições.
Existem aquelas viagens que marcam sua trajetória não apenas por belas e desconhecidas paisagens, mas também por transmitirem algo a mais pela experiência com comunidades isoladas e poder entrar em contato com suas vidas e trabalho. Com esse novo olhar, chegamos em Mumbuca, um quilombola no meio do árido Jalapão.
Os dois dias serão intensos para alcançar ora a Cachoeira do Formiga, ora os Fervedouros Buritizinho, ou do Encontro das Águas, assim chamados porque a água parece ferver quando as bolhas eclodem na superfície do espelho d’água. Os fervedouros parecem saídos de um livro de fábulas. Completam os circuitos as trilhas para alcançar as dunas pinceladas de rosas e lilases, e os campos do capim dourado ou pingo-de-ouro (Syngonanthus nitens),
Do meu diário, anotei: “no finalzinho desse dia encantado, observo as mulheres simples que cantarolam a caminho de casa com seus feixes desse capim que reluz. Não desejaria estar em nenhum outro lugar no mundo”.
Nessa viagem, também por paisagens interiores, nos hospedamos na casa de uma família de artesãos, aprendemos a costurar o capim dourado, as cantigas, lendas e histórias, ao lado de fogueira numa escuridão que brilhava.
Viajar como viver é emoção
Quem leva: Rota Nativa Ecoturismo e Expedições rotanativaturismo@gmail.com
Dica de leitura: “Minha vida na estrada”, de Gloria Steinen
*Matéria publicada originalmente no blog Viagens Plásticas do Viagem Estadão