Ainda nas trevas dessa pandemia em que vivemos, me pergunto: por que preciso tanto viajar? Por que só de pensar nessa palavra ela quase me torna invencível? Talvez a resposta esteja com o filósofo Giorgio Agamben, em seu livro ‘A Aventura’ … ‘não basta vir ao mundo, é necessário aventurar-se’.
E você, por que viaja? Por sabedoria ou esquecimento? Não responda rápido, pense, depois me fale. Viagem não é só entretenimento ou muito menos lazer, mas uma aventura capaz de provocar reflexões e crises.
Calma aí! Até mesmo uma simples viagem de puro ócio ao litoral ou retiro numa casa de campo, pode ter uma pegada de epifania. Pronto sua vida vai mudar. Vide o caso do terceiro homem mais importante da Microsoft, John Wood, que antes de assumir a responsabilidade do poderoso mercado chinês, pediu 15 dias de férias. Na volta se demitiu, e fundou a ‘Room to Read’, ONG cuja missão é ajudar crianças carentes a ler e escrever.
Me permita agora um teste: uma viagem turística se for boa, o tempo passa em ‘fast forward’. Se for fraca, em ‘slow motion’. E se for de conhecimento passa numa piscadela. Concorda? Não entenda isso como é assim que se deve viajar, e sim dizer que uma história, lugares, obras de arte são responsáveis para abrir portas para a criatividade e novas expectativas de vida.
Conto uma experiencia: me incomodava saber que pessoas atravessavam Oceanos gastando nota preta só para comer em restaurantes estrelados. Bem, até o dia que fui convidado para reportar gourmands num desses paraísos gastronômicos. A biografia de um país passa também por sua culinária, que seja, ou não, pelo gosto esquizofrênico de alguns alimentos e bebidas. No meio daquelas delícias que me fizeram entender esse rico universo – e que universo, meu Deus! – de sabores, me sentencio e sem titubear: esses restaurantes valem cada euro. Hoje, uma simples empadinha com cerveja quente num boteco, já me traz nova experiência cultural do lugar.
O principal motor de uma viagem, acredito, é o da curiosidade. E que cada dia invente uma surpresa. Procurar o novo, o encontro com as descobertas casuais, são muito mais importantes que os guias que regurgitam lugares-comuns e qualificam pontos turísticos com o chavão ‘imperdível’, este o maior inimigo da boa viagem. Aceite sugestões, mas faça sua viagem. E ao retornar, ela não pode ter ponto final.
Quando inventamos uma nova jornada (gosto dessa palavra) que não está no mapa, a viagem não faz bem só para o caminhante, também é bom para o próprio caminho. Representa uma forma de beneficiar as pessoas que dependem da sua passagem. Ver a natureza selvagem e não àquela organizada pela mão humana. Que tal trocar o requinte de um afamado hotel pelo luxo da hospitalidade de um bed & breakfast ou pousada?
O que fazem as boas viagens? Elas alteram a maneira como vemos o mundo e como atuamos nele.
Há muitas mais vidas para viver e conhecer, essa é a aventura real e mágica de nosso dia a dia, e por mais que fiquemos confinados, a viagem se encarregará de nos sacudir para abrir nossos olhos.
Entre um ‘hazar’, aquele que vive numa casa, ou ‘arab’, aquele que dorme sob tendas, eu escolho a estrada. Viajar e viver são sinônimos para mim.
*Matéria publicada originalmente no blog Viagens Plásticas do Viagem Estadão
**Assista os vídeos do Viramundo e Mundovirado