“Peça o que quiser, oma, vou para Áustria e Itália, e quero te trazer um presente especial”.
Minha avó, oma em alemão, teve uma vida espinhosa. Partiu ainda menina da República Tcheca para o Brasil, com o pai, nove irmãos e a sina de que a mãe morrera para lhe dar a vida. Jovem, bela e ruiva, amava colibris e valsas, mas dançou na escolha dos maridos. Trabalhou duro para criar e educar os filhos. Ahh, mas fazia ‘sonhos’ recheados de creme de baunilha cujo aroma chegava até Praga, e eu agora queria lhe trazer algo que a acariciasse.
“Quero uma folha! Uma folha de cada lugar onde você sentir que vive a graça”.
Ora, que presentinho simplão, pensei.
Nos primeiros dias de viagem nem dei bola para o tal pedido, até bisbilhotar atrás de um castelo austríaco. Ali, um jardineiro virtuose recortou arbustos na forma de instrumentos musicais. Soprou uma ventarola e imaginei ouvir doce ária? A folhinha do bandolim foi a primeira escolhida. Em Chioggia, ilha de pescadores na laguna de Veneza, não existem jardins. Mas, um, na vertical, sarapintava a fachada da casola cor de romã, e plantas ocupavam latas de azeite, panelas, canecas e bules furados. Contei à strega jardineira sobre minha bizarra missão, e parti feliz com as três folhas quais talismãs.
No final da Piazza Campidoglio, em Roma, subi por uma escadaria que se não chega ao céu, falta pouco. Sabe o que havia ali? As ruínas de um templo dedicado a deusa Juno. Apanhei a folha de uma oliveira que cresceu entre colunas de mármore espalhadas pelo jardim. Barcelona não estava no meu roteiro até ficar sabendo de um ‘Jardim Poema’. Além da última folha, colhi um ramo de mimosa só para perfumar gostoso todo o pacote.
Viagem boa mesmo foi presentear oma com os tais envelopinhos que também continham as anotações sobre cada folha. Em sua cadeira de balanço, ela apoiava-os com cuidado em sua barrigona, e solenemente os abria lendo com voz empostada: “Folha do jardim da casa de Mozart em Viena, para onde ele se mudou recém-casado, logo após compor O Rapto do Serralho”. Dona Josefina sorria de dar gosto com sua viagem – uma overdose de verde.
Muitas viagens mais tarde quando folhas e oma já eram confete, ainda me surpreendia querendo catar uma. Na selva peruana foi a folha de nalca que uma menina usava como guarda-chuva. No Chile foram os musguitos en la piedra na casa de Violeta Parra. Em Afuá, Marajó, depois de uma caminhada de horas pela mata fechada, cheguei em radiante clareira. Diante dela dei uma clamorosa gargalhada:
A folha da Vitória-Régia era duas vezes maior do que o barrigão da oma.
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