Pedra com poderes mágicos, outra que revestia as fontes da Atlântida; lagoa no deserto, melodia que nunca conforta, capela de madeira, as patas do exibicionista atobá, e as tímidas larvas numa caverna. Uma lista caótica? Não. Todos além de únicos, partilham a cor azul.
Pesquisadores concluíram: 49% dos homens e mulheres no mundo todo preferem o azul. Essa cor tem o poder de mudar nosso comportamento, aquieta, tranquiliza. E, se faz bem aos olhos, se reflete no corpo: relaxa e reduz a ansiedade. Simboliza a paz e a espiritualidade e foi escolhida para colorir aldeias inteiras na Índia, Espanha e Marrocos. Mas, não é o caso dessa nossa viagem. O azul nos tomou de surpresa. E, nos deixamos levar para viajar no azul.
Nossa viagem começa no Chile, país que tem verdadeiro sortimento de azuis, desde o lápis-lazúli, sua pedra nacional. É um dos poucos países do mundo com uma mina dessa pedra de matiz azul intenso e translúcido. Os sacerdotes egípcios, 5.000 anos atrás, já conheciam os poderes mágicos e de cura dessa pedra. A máscara, joias e amuletos do faraó Tutankhamon tinham incrustações de lápis-lazúli.
Ainda no Chile, o azul simboliza agora o poder da graça nas suas igrejas de madeira, patrimônio da UNESCO. Localizadas nas ilhas do arquipélago de Chiloé, têm altares, abóbodas e algumas fachadas em diferentes tonalidades de azul, um deles é o Calypso, tom entre o celeste e o cinabre.
No deserto do Atacama o que nos atraiu foi a tonalidade índigo puro da Laguna Miscanti. Já na Patagônia encontramos um azul translúcido que até merecia a definição de ‘geleira da patagônia’. São tempanos, blocos de gelo que flutuam na Laguna San Rafael.
Aqui não mais paisagens com toques de azul, mas uma cidade que afirma ter o ‘coração azul’, Delft, na Holanda. Esse amor por um azul tão peculiar batizado de ‘Azul de Delft’, vem das louças e azulejos decorados que fizeram a riqueza e colocaram a pequena cidade no mapa do mundo.
E quem só se veste de azul? Os Tuaregues, povo do deserto do Sahara. Para eles essa cor afasta os maus espíritos. E também as mulheres do Lago Atitlán, na Guatemala, vestem blusas nessa tonalidade, bordadas com elementos geométricos ou da natureza para identificar sua etnia.
Não longe dali a mexicana Frida Kahlo não seguiu os passos de outros artistas como Henri Matisse para quem até os tomates eram azuis, ou Yves Klein que só utilizava essa cor em suas obras. A paleta de Frida era rica em tons quentes, mas escolheu o azul cobalto puro para revestir sua casa na Cidade do México. Hoje, a Casa Azul no pitoresco bairro de Coyoacán é um dos mais visitados museus do país.
Outra casa museu fica no Marrocos, a Maison Majorelle. O pintor Jacques Majorelle construiu sua casa em Marrakesh em estilo art déco e a pintou de uma tonalidade cobalto claro que chamou de ‘azul majorelle’. Mais tarde foi adquirida pelo estilista Yves Saint Laurent, encantado com o azul que o fazia lembrar das telas de Matisse.
Agora vamos contar uma bela, mas triste história sobre o azul. Em Cabo Verde os mercadores de escravos reuniam homens e mulheres capturados em toda África, e do porto de Ribeira Grande seguiriam para o Brasil, Cuba, Estados Unidos. A bordo dos navios os homens guardaram para sempre o tom do azul, o “blue” do mar de Cabo Verde.
Em terras americanas, do contato com o estilo musical dali, surgiu o ‘blues’ linguagem musical de acordes únicos e melodia cortante e visceral.
Outra história, mas essa lendária sobre a cor do mar, é a das piscinas de Atlântida revestidas de uma pedra azul turquesa. Os habitantes da República Dominicana acreditam que era o Larimar, pedra de mina única no mundo. Graças a uma particularidade geológica, a mina de pedra branca se oxidou pelo contato com uma jazida de cobre.
Mas nossa feliz surpresa azul foi o encontro com o Piquero, de Galápagos, ave que tem patas azuis e sabe da lindeza delas porque dança enquanto assobia, exibindo-as para a fêmea.
Outro azul inesperado está escondido em uma caverna na Nova Zelândia. É um espetáculo com ares de bruxaria: a gente precisa descer até o rio que fica no fundão da caverna, subir num bote e ficar em silêncio. São os glow worms, da Waitomo Caves que até mereceram um poema de Lourdes Ricardo:
“…apagam a voz humana/cem mil luzes se acendem. Larvas – azul aflito, encarnação de bruxas”.
No Brasil, o azul inspirou artistas como Candido Portinari. Ele escolheu esse matiz para demonstrar o amor de São Francisco pela natureza na Capela da Pampulha, em Belo Horizonte.
E o que falar do manto celeste de Iemanjá que vimos na festa em sua homenagem em Rio Vermelho, Salvador? No Pantanal foram as ararinhas azuis, e em Rio dos Cedros, Santa Catarina, foi percorrer a Estrada Azul, toda ladeada de um paredão de repolhudas hortênsias.
“Porém! Ai porém ……”, quem explica um azul que arrebata, um rio de euforia que inunda a avenida como a Escola de Samba Portela? No samba trazendo alvorada da nem Paulinho da Vila entende:
“Não posso definir aquele azul
Não era do céu nem era do mar
… e meu coração se deixou levar”.
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***Matéria publicada originalmente no Viagens Plásticas do Viagem Estadão