San Blas é a última parada das Américas para quem perambula à solta a fim de deixar a modernidade e agitação dos velhos hábitos. Fui atrás de um novo estilo de viagem e de praias que esperava encontrar nesse lugar de extrema simplicidade.
Para chegar em San Blas, a partir da Cidade do Panamá, tomei um avião – não muito maior que o teco-teco. Quinze minutos depois, o piloto circulou sobre o arquipélago para proporcionar uma visão aérea das ilhas … ou seria porque não encontrava a pista? Foi a partir desse momento que comecei a me fascinar pelo arquipélago.
Ao todo são 365 ilhas que se espalham nas águas do Mar do Caribe, algumas não maiores que uma quadra de tênis. Outras parecem cartum de náufrago com montinho de areia rodeando uma palmeira, e mais além, outra ilha me sugeriu uma flutuante plantação de bananas e cocos. E, a de El Porvenir, onde se encontra o aeroporto, lembra mais uma passadeira estendida no mar.
E, pralapracá, entre as 56 ilhas habitadas navegam golfinhos e os cayucos, canoas a vela para pescar, levar crianças à escola ou viajantes encantados.
De El Porvenir vou de cayuco para a ilha de Nalunega navegando pelo mar cristalino que duplica as imagens, intensificando minha emoção. Na ilhota, acompanhado pelo guia Eric, caminhei pelas estreitas ruas de areia ladeadas de coqueiros e casinhas de sapé, construções que já haviam tido melhores dias – embora não muito melhores –, e onde roupas esvoaçantes nos varais evocavam bandeiras me saudando.
Atmosfera de pura festa alimentada pelos grupos de mulheres: algumas bordam, outras preparam a comida, outras apenas se enfeitam, ali mesmo na rua.
Seus trajes encantam, em particular o mola, tecido de cores vibrantes com desenhos mágico-míticos que as mulheres comercializam juntamente com as pulseiras e caneleiras. San Blas mergulha num universo de cores.
A maioria dos visitantes permanece algumas horas nas ilhas, sobretudo porque há poucos hotéis. Tal escassez se deve ao modo enérgico com que os guna, a etnia que habita esse arquipélago, zela pela sua cultura há mais de cinco séculos. “Não temos grandes hotéis, pois não permitimos que estrangeiros comprem nossas terras”, diz Eric. “Se a maneira como vivemos desperta a curiosidade de nos conhecerem é justo que provem do nosso modo de viver”, ele justifica. Por isso, os hotéis são como suas casas: chão de areia, paredes de bambu e teto de palha. Obrigam ao despojamento. Não é o que justamente vim buscar?
Permaneci na ilha durante três dias. Escolhi um quarto na praia de areia branca para melhor ouvir o marulho, sem imaginar que uma onda mais afoita poderia invadi-lo à noite. Foi o que aconteceu e ficou inesquecível.
As paredes de bambu são indiscretas, deixando passar todos os sons da aldeia, mas deixam passar também a brisa, o canto das aves e a luz da lua. Antes do sol da manhã inundar meu quarto, o perfume doce dos plátanos fritos – bananas – misturava-se ao aroma do pão recém assado e ao vozerio dos pescadores saindo para o mar. Outros já regressavam, trazendo peixes tão coloridos e cujo grafismo de listas, linhas em ziguezague, bolinhas e arabescos pareciam uma extensão do mola dos guna.
Nesse labirinto de ilhas, nessas aldeias insulares, nessa república das cores, as decisões de onde caminhar, nadar, velejar, praticar mergulho autônomo, ou snorkelling, foram minhas. Elas me despertaram a impressão de reviver por algumas horas um pouco da aventura “robinsoniana”. Pude até caminhar de uma ilha a outra. Foi quando me lembrei das palavras do educador Ruben Alves – “entregar-se a uma deliciosa vagabundagem contemplativa”.
Retorno para a ilha Nalunega, para meu hotelzinho, quando não havia nenhuma nuvem e o sol estava escancarado. O ar tórrido era renovado por constantes brisas. Ao desembarcar um pouco mais tarde, o sol refletido nas águas era ouro líquido.
Convido agora aqueles que gostam de quebrar roteiros convencionais para conhecer San Blas em uma viagem de despojamento e liberdade.
Como chegar: de São Paulo a Cidade do Panamá, a Copa Airlines tem voos diários com duração de sete horas. Da capital panamenha os voos para o arquipélago em companhias aéreas regionais, duram em média vinte minutos.
Onde ficar: Kwadule Eco Resort, na ilha Kwadule com cabanas confortáveis construídas sobre palafitas. Hotel San Blas, na ilha Nalunega, um dos mais tradicionais do arquipélago
*Matéria publicada originalmente em nosso blog Viagens Plásticas do ViagemEstadao