Viagens e filmes caminham juntos?
Dá só uma olhada. Ambos partem de uma ideia, traça-se um roteiro, procuram-se novos cenários e personagens, por fim conta-se uma história. A diferença é que a viagem não permite ensaios.
Assim minha jornada começa em plena ação na Ruta 68 que une Salta a Cafayate, norte da Argentina. Destino, as vinhas de Torrontés, vinho branco mítico entre os connaisseurs.
De início o caminho já é uma provocação. Assisto a um repertório de imagens que se transmutam a cada curva. De rochedos cinzelados pelo mar que os encobriam há milhões de anos, ao vale verde regado pelas águas do degelo da neve das montanhas. À primeira vista muitos locais guardam alguma semelhança com as Montanhas Rochosas (Estados Unidos e Canadá), mas isso só na superfície, pois a alma de cada lugar é única.
Desço do carro a cada instante para fotos e vídeos. Meu cine-olho capta imagens dignas de um épico. Do alto, um condor me vigia. Sua visão me causa inveja, pois recordo de imediato do filme de Godfrey Reggio que no início dos anos 80, com “Koyaanisqtasi” instituiu um tipo de documentário no qual a natureza era o objeto privilegiado. Nele, víamos as paisagens com olhar de pássaros, mas a força da fita residia na impossibilidade de nos aproximarmos dos cenários selvagens.
Penso seriamente em trazer um drone na próxima viagem a Cafayate.
Lugares como Quebrada de las Conchas, Garganta do Diabo, e Três Cruzes me levam a paisagens mais próprias dos sonhos, ou aos longas de Tim Burton ou Guilhermo del Toro.
Naquela natureza e ouvindo a argentina Mercedes Sosa cantando Hermano Dame tu Mano, como trilha sonora, caramba! meu coração ressoa mais que seu tambor.
Pouco a pouco noto que a estrada passa a ser o personagem principal da minha viagem. Em um ponto chamado Anfiteatro, da realidade caí na ficção. Na trilha até essa formação geológica, artesãos vendem de bijuterias, conchas, peixes e moluscos petrificados, ao ‘tabaco’. No final, surge uma concha acústica natural no rochedo erodido, enorme, magnífica. De sua geografia emana fascínio primitivo.
O silêncio, o eco dos ventos, o clima ameno, a dramaticidade da luz que, ora sim ora não, cria sombras misteriosas, me sugeriu um grande templo. Ideal para meditação não fosse a algaravia de casais de maritacas que ali fazem seus ninhos. Mas é quando elas surgem que eu percebo a acústica perfeita.
E não é que de repente viagem e filme se cruzam de fato? Apaixonado pelo cinema argentino reconheço a ponte metálica amarela que foi set de filmagem de um dos episódios de maior impacto de Relatos Selvagens, do diretor Damian Szifron. Aquele da picuinha entre dois motoristas cujo final inesperado ocorre exatamente ao redor dessa ponte. Permaneço ali quase meia hora lembrando os detalhes das cenas daquela história.
Só por essa descoberta minha viagem já valeu.
Na sequência o espaço cinematográfico da estrada muda radicalmente quando me aproximo de Cafayate. Ele se abre em panorâmicas com os vinhedos ao redor da estrada. A viagem de hora e meia, demorou mais de quatro.
Na chegada ao meu destino, lembrei dos filmes de estrada do roteirista e diretor americano David Lynch, onde só no final acontece a razão da viagem.
Se Cafayate é um lugar que pela sua natureza já justifica a visita,
saborear nas bodegas o Torrontés, fruto daquele terroir, me fez reavaliar o conceito do vinho branco.
O diferencial, repensado e renovado desse vinho está nos aromas de frutas cítricas, mel, amêndoa, folhas de chá e flores. De cor dourada, parentesco com o moscatel, é um vinho jovem com a complexidade de um grande vinho. E lá vem outro filme à mente. Não é por acaso que alguns produtores gostam de chamá-lo de “Lolita dos vinhos”.
Muitas vinícolas ainda são pouco conhecidas no mercado brasileiro, vale ficar de olho em nomes como ‘Domingos Hermanos’, ‘El Esteco’, ‘Etchart’, ‘Nanni’, ‘Quara’, ‘Los Cardones’ e o espumante ‘Borbujas de Altura’.
Inebriado, me despeço de Cafayate disparando um Hasta la vista, baby!
Making of:
Tive a sorte de ser acompanhado nessa viagem pela turismóloga sra. Magdalena Benitez, da Secretaria de Turismo de Salta e do motorista sr. Sergio, que em nenhum momento se aborreceram com minhas constantes paradas, além de me fornecerem preciosas informações.
Onde a equipe de filmagem (oops da viagem!) se hospedou:
Hotel Grace Cafayate
Hotel Asturias
Quais foram seus restaurantes:
Restaurante LEC, em La Estancia de Cafayate Wine & Golf
Restaurante do Wine Resort Vinãs de Cafayate
Restaurante La Rosa, Patios de Cafayate
Onde provou as degustações do vinho Torrontés – Bodegas:
Estancia Los Cardones
Borbujas de Altura: bodega de vino espumante
Onde comprou vinhos:
Museo de la Vid y el Vino
Mais informações:
Portal de Turismo de Salta
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