O que leva um cara sair de São Paulo para ir a Qaqortoq? Qaqortoq? Sim, isso mesmo, um vilarejo isolado ao sul da Groenlândia sem nenhum atrativo turístico. No meu caso, na década de 1990, foi um projeto para ver como viviam os esquimós aculturados pelo governo dinamarquês.
Não foi fácil chegar em Qaqortoq. Houve uma combinação de voos e stopovers: São Paulo – Londres – Reykjavik, mais stopover de alguns dias na capital da Islândia, pois naquele período do ano, início de setembro, a Icelandair tinha apenas um voo semanal para Nasarsuak, já na Groenlândia. Desta antiga base americana, mais um stopover para no dia seguinte de helicóptero chegar em Qaqortoq, ou Julianehab, para os dinamarqueses.
Enfim, chegamos ao destino.
E aí, começaram as surpresas para nós e para os habitantes dessa vila da Groenlândia. O vilarejo era muito mais bonito do que esperávamos. Agora entendia porque as casinhas do jogo de armar da Lego eram tão coloridas. Faz parte da vida dos dinamarqueses, e Qaqortoq lembra o mesmo jogo em escala natural. Depois porque os esquimós não mais se vestiam como esquimós com aqueles grossos casacos de pele de foca, e não vimos um só iglu, Suas moradias eram em pequenos blocos de apartamentos que lembravam um ‘Cingapura’ um pouco melhor. E para completar, os esquimós dali já haviam perdido a mania de comer as ‘cacas’ da pele para saciar a fome (elas se formam por falta de banho!).
No mesmo dia em que chegamos a essas conclusões, percebi que estávamos sendo observados com curiosidade por muitos habitantes de Qaqortoq. Eles procuravam entender quem erámos, e isso criava em mim uma sensação estranha.
Começamos a ser constantemente parados nas ruas, tanto pelos esquimós que se divertiam com nossa presença, como também pelos poucos dinamarqueses que ali viviam. A curiosidade se dava porque éramos brasileiros, dos trópicos, para eles o fim do mundo. O que estávamos fazendo naquele lugar fora do radar das agências de turismo, onde ao entardecer a temperatura já beirava os 10 graus negativos?
Mesmo explicando qual era nosso objetivo, janelas se abriam para nos ver, e a mesma pergunta corria de boca em boca: vocês são os brasileiros que vão ficar conosco uma semana? Convites para almoço e jantar foram comuns para dividirmos as mesas com dinamarqueses e com os esquimós mais aculturados, só para contarmos histórias sobre nós e do nosso país.
Enfim, fomos nós, durante aquela semana, a atração turística de Qaqortoq. E, assim algo que aprendi é que às vezes a única coisa nova de um lugar é você.
Agora você pode se perguntar: e como viviam os esquimós? Bom, isso fica para outra história. Ah! E outra coisa: as fotos como podem reparar são de baixa qualidade, pois foram recuperadas de negativos embolorados, portanto nossas desculpas.
*Matéria publicada originalmente no nosso blog Viagens Plásticas do Viagem Estadão