Alguns lugares já nascem carimbados como blockbuster, e a Península Valdés, na Argentina, é um desses raros locais que de fato enchem de alegria o coração do viajante mais ligado à natureza e à reflexão.
Ali, a 1.500 km de Buenos Aires, não falta espetáculo da natureza. A Península Valdés, guarda algo de primitivo, onde a natureza é pura, extrema, e a vida marinha exuberante. Mas ao mesmo tempo é em suas estepes desérticas um verdadeiro eldorado para arqueólogos, paleontólogos e geólogos, porque permite vislumbrar as origens da Terra. Contém fartos vestígios do passado. E foram eles que justificaram a passagem do fotógrafo Sebastião Salgado em busca de imagens para seu livro “Genesis”, onde reuniu as paisagens mais “desoladas” e pristinas do nosso planeta.
Pois foi nessa trilha que cheguei em Puerto Madryn, porta de entrada da península. Uma pequena cidade com pouco mais de 50 mil habitantes, banhada pelas águas tranquilas do Golfo Novo.
Seria pouco afirmar que tudo se apresentava como eu imaginara. A começar pelo alvorecer. É um lugar onde se vê, perfeitamente, o dia empurrar a noite e o amanhecer se clarear em lilás. Imagem para não esquecer nunca. Nesse cenário, sonorizado pela algaravia das gaivotas e da calandria mora (pequeno pássaro de cor cinzenta), reside toda a poética das praias da cidade.
Mas se alguém quiser um amanhecer dourado também tem: a praia El Doradillo, a 15 km de Puerto Madryn, habitada por lobos-marinhos e pinguins de magalhães, é o destino ideal. E de junho a dezembro, baleias francas austrais se somam a eles, exibindo-se a pouquíssimos metros da orla.
Embora as praias ofereçam um convite irrecusável, minha principal razão de estar ali era a península de Valdés, opção para quem quer aproveitar o sol em inéditos cenários naturais.
Deixo as cores ancoradas nas praias de Puerto Madryn e percorro 100 km pelas estepes patagônicas, magnificamente monocromáticas. No caminho destacam-se estâncias para criação de ovelhas, com sedes rústicas ao lado de cataventos girando enlouquecidos. Nesse território de clima seco, árido e de vegetação rasteira é fácil observar raposas, lebres, guanacos e avestruzes.
Mais à frente, ao atravessar o Istmo Ameghino para alcançar Valdés, é a Ilha dos Pássaros que chama a atenção. Desnecessário dizer por quê. Dentre eles destacam-se o petrel gigante, o biguá e o ostreiro austral, além de 66 espécies migratórias – como, por exemplo, a pomba antártica – que por lá aportam.
Então, no horizonte, desenha-se a península Valdés, santuário da fauna marinha e reserva declarada Patrimônio Natural pela Unesco, em 1999, local escolhido para reprodução de diversas espécies de mamíferos marinhos.
Baleias estão na moda, como prova o recente documentário “Oceanos”, sucesso nos telões. Pinguins e golfinhos nunca saíram de cena, mas o elenco está completo nessa península: em Punta Cantor e nas falésias de Punta Delgada, colônias de elefantes e leões-marinhos; em todo o litoral, pinguins de magalhães e baleias francas.
Mas o espetáculo maior se desenrola na Punta Norte, de setembro a abril, e fica por conta das orcas que, por sinal, carregam a fama de sanha brava. Elas desenvolveram ali uma técnica de sobrevivência única no mundo denominada “encalhamento intencional”: e desse modo elas buscam um de seus alimentos preferidos, no caso leões-marinhos, nas próprias areias das praias.
Península Valdés pertence ao rol de lugares que nos fazem compreender que a natureza vai muito além da paisagem.