Menos de um minuto foi o suficiente para relembrar minha visita aos Wajãpi, na Amazônia, e me sobressaltar ao ouvir a notícia do decreto do presidente que autorizou a exploração mineral em seu território.
Ali, no Amapá, no meio do maior parque florestal do mundo, o das Montanhas do Tumucumaque, há uma arte que encantou o mundo no início desse milênio – a arte Kusiwa. A expressão gráfica dos Wajãpi é a primeira obra-prima do Patrimônio Oral e Imaterial da Humanidade, concedida pela Unesco, no Brasil. Quisemos nos aprofundar nessa arte que exprime o conceito da harmonia entre o céu e o homem.
Essa foi a razão de irmos às suas aldeias. Tempo, esforço e autorização são necessários para alcançar o território Wajãpi. De Macapá foram mais de oito horas em um ônibus que transitou por estradas que se transmutavam de regulares para horrendas. Mas nada nos prepara pra uma viagem à Amazônia, pois a paisagem infinita dessa floresta é uma experiência única de sentidos.
Nosso primeiro contato com esses indígenas foi inusitado e aconteceu quando cruzamos com uma placa: “Reserva Indígena dos Wajãpi. Entrada Proibida”. Neste exato momento, todos os outros passageiros do ônibus, que por sinal eram dessa etnia, se levantaram e tiraram suas roupas de não-indígenas e ficaram pelados. A partir daquele aviso, eles são os donos do pedaço e seguem seus costumes. E nós como ficaremos?
Na Amazônia está ameaçado também nosso primeiro Patrimônio Imaterial da Humanidade
A arte gráfica dos Wajãpi surgiu para o mundo graças ao trabalho da antropóloga Dominique Gallois, da Universidade de São Paulo, e do IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) que envaidecidos pela sua cultura se uniram para preservar e divulgar essa arte.
Essa tradição artística, principal manifestação visual desses índios, está presente, não só na pintura corporal, mas também na cerâmica, na cestaria ou na madeira dos utensílios domésticos. Os Wajãpi notaram a unidade que revestia a natureza nas nervuras das folhas, na pele, nas escamas, nas penas e nos chifres dos bichos. Longe de serem figurativos, prefiguraram a arte abstrata.
Os desenhos feitos com tintas à base de sementes de urucum e suco de jenipapo, misturados a resinas perfumadas, vão desde a representação dos animais da floresta, os que aparecem com maior frequência são o jaguar, a serpente, a borboleta e o peixe, até complexas composições.
Esses padrões gráficos, denominados kusiwa, ou caminhos do risco, são desenhados com pincéis de bambu. “As pinturas aplicadas no corpo não são tatuagens nem decalques, nem são marcas étnicas ou símbolos rituais. É sua tradição decorar corpos e objetos, por prazer estético e desafio criativo”, revela Gallois.
As pinturas aplicadas no corpo não são tatuagens nem decalques, nem são marcas étnicas ou símbolos rituais. É sua tradição decorar corpos e objetos, por prazer estético e desafio criativo”, sintetiza a antropóloga Dominique Gallois.
Os Wajãpi tratam a floresta como um ser humano. Para eles, no começo dos tempos, os animais e mesmo os vegetais ensinaram aos homens como viver na mata e transmitiram seus repertórios musicais e padrões decorativos. Romper essa cooperação entre os seres representa um infortúnio para a humanidade.
As obras dos Wajãpi podem ser vistas no Museu Sacaca, no Iepé – Instituto de Pesquisas e Formação em Educação Indígena, ambos em Macapá, Amapá.
Para saber mais: Kusiwa: Pintura Corporal e Arte Gráfica Wajãpi, de Dominique Tilkin Gallois