No coração de Taiwan há um vilarejo chamado Lugu. Ele fica entre colinas de relevo suave e montanhas altas, forradas de ondas verdes de camélias (Camellia sinensis) que vão produzir um dos melhores chás do mundo – o oolong – com leve sabor de pêssego e bela cor ambarina.
Ainda não são oito horas, e toda a terra exala névoas. Gosto dessa imagem que vai desvelar algo que vim especialmente conhecer.
Pouco tempo depois as plantações estão bem expostas à luz e ao mormaço. O cultivo do chá como manda o figurino: em terraços, ou jardins como eles gostam de dizer; a altura dos arbustos parece medida à régua e uma única tonalidade de verde se estende até o horizonte.
Acabo de entrar num raro universo de sensações visuais e olfativas, onde é possível sentir o aroma propagado pelo vento. As imagens me convidam para o início das fotos, são os cortes de luz, os inesperados reflexos sobre aquele grafismo, o dourado do amanhecer sobre o verde. A paisagem fascina. Não estava disposto por nada desse mundo a perder qualquer cena.
Mas, de repente compreendi que deveria me libertar daquelas imagens que me tinham trazido até Lugu: só então seria capaz de entender o verdadeiro significado do chá.
Pensei, ou meditei em pé? O certo é que meu horizonte mudou.
Ao longe, mulheres vestidas com chapelões e rostos cobertos por véus ou panos, pareciam coloridos cogumelos gigantes. De perto, trocando a chita por renda, me lembraram as mulheres da elite italiana, retratadas pelo cineasta Luchino Visconti, podando com amor ramos de seus jardins. Na verdade, eram camponesas que estavam em plena colheita das folhas de chá, pois sob sol forte, ou chuva, o trabalho deve ser adiado. As colheitas invariavelmente terminam às 10h. Após esse horário, o calor pode provocar ressecamento ou mofo nas folhas e lhes rouba o aroma.
As mulheres protegem os dedos com aros de papelão e cobrem os braços, mãos e principalmente o rosto. Pele alva e lunar ali é sinônimo de beleza. Além, de
“bonita mulher, bom chá”
dizem os taiwaneses.
Com a ajuda de uma guia filipina que falava chinês, me dirijo a elas. E, descubro que o mais encantador nas plantações de chá, não é a paisagem, mas a cordialidade e a graça daquelas mulheres. Sorridentes, tímidas de início, para depois entrarem numa atenção toda especial para comigo e com Silvia.
Uma delas sai apressada e volta no mesmo passo para me oferecer uma tigela de noodle; outra traz para Silvia um pote de ameixas salpicadas de cubinhos brancos que acreditamos fossem açúcar. Ao ver a cara de espanto da Silvia, após experimentar as frutas, a colhedora disse que os cubos eram alho cru! Para as taiwanesas cada fruta tem seu tempero adequado.
Estar ali, naquela hora, me deu a sensação de que a qualquer instante, todos nós iríamos dançar, tal a alegria. Exagero? Foi o que senti.
Contudo, eu só estava no início do meu entendimento sobre o chá. A hospitalidade taiwanesa iria adiante se mostrar com mais naturalidade ainda.
Depois de horas na colheita, fomos surpreendidos com os acenos de um casal ao longe. Seria conosco, ou com alguma das colhedoras?. A guia confirmou: eles estão chamando vocês..
O casal de camponeses nos convidou para degustar diversos tipos de chá em sua casa. Eles disseram (com a ajuda da guia) que depois de longo tempo concentrados em nosso trabalho, precisaríamos de uma xícara de chá e uma boa conversa.
A sala avarandada com janelas que se abriam para os jardins de camélias, e mais o aroma do chá nas xícaras, me deram uma dose extra de felicidade.
Diferente da cerimônia japonesa, mais ritualista, os taiwaneses utilizam essa tradição, quase como os ocidentais se interagem com o vinho. Ao redor de uma mesa apropriada para esta finalidade dedica-se um tempo para experimentar vários tipos de chá, para um bate-papo e, enfim, para desfrutar um momento de alegria com a vida. Para eles o chá é um atalho para a felicidade. Não é à toa que o vocábulo ch’a, em mandarim, ou t’e no dialeto de Amoy e Fukien têm o mesmo significado – paz.
A cerimônia do chá é pautada pela humildade, simplicidade e respeito aos convidados. A atitude é a de que aquele encontro será o único de sua vida, e dele resulta um interesse profundo pelo seu bem-estar. Foram naqueles momentos divinos que pude captar a verdadeira essência do chá que para mim se traduz na raiz da palavra hospitalidade.
Considere quando ir:
Para chegar em Taipé, capital de Taiwan, é preciso fazer uma combinação de voos e se preparar para uma diferença de 11 horas a mais em relação ao Brasil. Não existe voo direto entre São Paulo e Taipé (Se existisse a viagem duraria em média 23 horas). Pode-se ir via Los Angeles, Amsterdã, Roma, Paris, Frankfurt, Dubai. O ideal é fazer um stopover numa dessas cidades.
A melhor opção para chegar lá é por intermédio de uma agência de viagem que consegue melhores tarifas. A Receptur, representante da China Airlines no Brasil (Cia Aérea Taiwanesa), oferece também viagens personalizadas; tel. 11-3259-4066.
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