Um viajaço! Defino assim minha viagem para as cidades piauienses de Curral Novo e Betânia do Piauí. Mas ela não foi daquelas viagens sonhadas que a gente escolhe quando ganha na loteria. Seu Prêmio não foi para o bolso.
O convite aconteceu de repente: iria reportar a trupe de voluntários que levavam ouro na forma de livros e palavras às comunidades carentes daquele Estado.
E o tranco no ânimo bateu logo de saída para os voluntários vindos de Joinville e de São Paulo, a viagem foi um pula-pula que deu para conhecer bem o céu do Brasil. O direto para Petrolina, com escala em Salvador, se multiplicou em Ilhéus, Aracaju e Recife, com atrasos, ventanias, pistas esburacadas e o escambau. Isso sem contar a trilha até Curral Novo, que deixa um Rali Dakar no chinelo. A viagem que era para ser de um dia, demorou dois.
Viagem. Uma coisa é certa – é a arte do encontro.E, em cada um, nova história por paisagens interiores. A começar pela do idealizador do ‘Projeto Escolas do Sertão’, Roberto Pascoal, diretor da Omunga Grife Social. Nele sobressai o reconhecimento pelo que a vida não falhou em trazer. Em troca, achou-se no dever de procurar algo para tornar o mundo um lugar melhor. Seu projeto tem como gancho a construção de bibliotecas.
Mas, o foco principal é a capacitação de professores, coordenadores e diretores de ensino das escolas desses municípios, por voluntários altamente capacitados. Pascoal reúne profissionais na área de educação com a finalidade de ministrar oficinas nas escolas que atendem alunos em situação de maior vulnerabilidade. As oficinas estimulam uma grade curricular que dialoga com os interesses dos jovens, incentiva o aluno a opinar, a debater para decidir, o que desperta sua autonomia frente aos próprios projetos de vida e respeita suas aspirações profissionais.
A tropa de choque da “Escolas do Serão” é formada por pedagogas, assistentes sociais, gestoras de RH e psicólogas, contadoras de histórias, fotógrafos. Ana Carlota Percorari, Irmã Alegria, ops, Isabel Simeoni, Rosiani Duarte, Clarice Stein e Daniel Machado são voluntários que não veem suas atividades como doação, mas intercâmbio. Oferecem o contato humano, a compreensão sensível que nenhum programa governamental, por mais bem planejado que seja, poderá dar.
Dessa forma a capacitação se torna “palavras em capa dura”. Este poderia ser o mote da “Escolas do Sertão”. Todos sabem que o bom caminho para o Brasil avançar na qualidade do ensino público, e reduzir a desigualdade, passa pela formação docente e dos profissionais de educação. Esta é a proposta. E sua ação busca a excelência. Só assim o projeto fará a diferença na aprendizagem e na vida das crianças e jovens.
O que faz o encanto de uma viagem, é não raro, seu mistério, a capacidade de produzir o inesperado. E isso aconteceu nos depoimentos e em conhecer os desafios encontrados pelos professores que viajam até 50 km para dar aulas em escolas sem água ou luz.
Para mostrar a realidade dali, a professora Naiane do Nascimento conta a história do aluno que não fazia o dever de casa: “Se meu pai me vê com caderno e lápis na mão me dá uma tunda daquelas. Pra poder escrever tenho que fugir lá para cima do morro”. Em contraponto há pais que partem ao meio o único lápis para os dois filhos fazerem a lição, e os que, analfabetos, se emocionam ao ouvirem o filho lendo.
As professoras comparam que levar os pais para as reuniões aos sábados era como carregar água em lata furada. Então tiveram a ideia de aproveitar o carro de som no dia da feira para convidá-los. Na escola a acolhida aos pais virou uma verdadeira festa regada a forró pé de serra e sorteio de brindes.
Quando, porém, eu e os voluntários fomos conhecer as bibliotecas construídas pela Omunga Grife Social, nos distritos de Baixio dos Belos e Serrinha, de Betânia do Piauí, a verdade nua e crua se apresenta. Em Baixio dos Belos, na rua sozinha e comprida não anda mais ninguém, as vendinhas estão fechadas e as casas de uma só porta, abandonadas. Nem luz, nem água, e 60% da população masculina deixou suas famílias para procurar emprego em outras praças. Nem todos voltam. O silêncio é espantoso. Lembra uma cidade arrasada pela peste.
No céu do semiárido o tempo congela-se na fronteira entre o que é, e o que deixou de ser. E aí, o Projeto Escolas do Sertão pode vir a ser uma fênix permanente nesse processo de renovação e inovação educacional.
“Neste país de coisas em excesso, o sol me agride, e o azul passa da conta”, calcula o poeta Cassiano Ricardo. Eu reconto as cores que revestem o céu ao entardecer mas não dou conta de somar estrelas.
Essa não foi uma viagem daquelas sonhadas que escolheria se ganhasse na loteria. Seu Prêmio não foi para o bolso, me caiu direto na alma.
Saiba mais sobre o Projeto Escolas do Sertão, patrocinado pelo Omunga Grife Social. Se inteire, se associe, seja também um voluntário.
www.omunga.com
roberto.pascoal@omunga.com
Em tempo: o empreendedor social Roberto Pascoal, fundador da OMUNGA Grife Social e Presidente do Instituto OMUNGA, é um dos vencedores do prêmio TOYP 2017 (Ten Outstanding Young Person), na categoria “Contribuição às crianças, à paz mundial e/ou direitos humanos”, promovido pela JCI – Câmara Junior Internacional.
*Matéria publicada originalmente no nosso blog Viagens Plásticas, do Viagem Estadão