O cenário é real. Serra de Itabaiana, Sergipe. Ali, distante 50 quilômetros de Aracaju, aninha-se a casa do verdadeiro Birdman. Ele não é personagem de HQs, nem de seriados de TV. Não levita, não voa e nem tem músculos fortes, aliás é bem magrinho. Nunca ganhou o Oscar, mas merecia levar todos os prêmios. E mais, sabe tudo sobre as aves. Ele é José Percilio Costa.
A cena do nosso primeiro encontro com o birdman, oops, Percilio, é daquelas que fazem a gente pular umas 20 casinhas no jogo da vida.
Descrevo-a tal como a vivenciei: em um plano aberto para o máximo de paisagem, à nossa frente estavam as montanhas. Dependendo da luz que dançava entre elas, ora eram de um dourado tom sépia ora verde azulado. Em nossa direção caminhavam, em meio a uma vegetação rasteira de arbustos retorcidos por ventos secos, uma galinha pardacenta, um urubu e uma seriema. O trio compunha o inusitado séquito de um jovem magro que sorridente vinha nos receber.
Fazendo voos rasantes um imponente carcará sobrevoava sua cabeça. Quando me aproximei para cumprimentá-lo, zuuuuum … abaixei rápido a cabeça, pois uma coruja surgiu do nada para me bicar.
“Curcur não faça isso”, pediu ele com voz fanhosa, e a ave imediatamente se bandeou vigilante para uma estaca.
Não foi preciso esperar pela segunda imagem para perceber que estávamos num lugar incomum. É preciso cuidado para relatar as histórias de Percilio, 36, criador do Parque dos Falcões, onde a irrealidade não dá refresco.
Sua vida baseia-se no amor aos pássaros, no mérito em dedicar-se de corpo e alma ao seu ofício, e de segurar a barra, pois a ajuda dos órgãos oficiais é insuficiente.
A história do nosso birdman começa a mais de 30 anos atrás. Ele era um menino franzino, tinha problemas para se expressar, gaguejava, era fanho, e não se interessava pelos estudos. Só por passarinhos. Seu maior sonho era ter um falcão. Aos sete anos ganhou um ovo dessa ave e conseguiu convencer o irmão deixar que a galinha deste chocasse. Após 21 dias todos os pintinhos eclodiram, menos o tal ovo. Percílio implorou para que ficasse por mais alguns dias sob a galinha e após uma semana, no dia de seu aniversário, nascia na palma de sua mão, Tito, um falcão carcará. Nascia ali também uma grande amizade, parceria e união de almas.
“Tudo que aprendi foi com meu professor carcará. Tito (Polyborus plancus) me ensinou que ovos de falcões eclodem com 28 dias, que gafanhoto é ótimo para problemas digestivos, que a gordura do sapo é eficaz contra infecções, que a respiração boca a bico é necessária em casos extremos, que é possível fazer implantes de bicos e ossos, e que se as aves forem adestradas ainda jovens não mais se acasalam, pois seu parceiro passa a ser o treinador. Tito enfim me mostrou todos os segredos da arte da Falcoaria. A maior diferença é que em todas as falcoarias do mundo, sendo as mais famosas as orientais, as aves são condicionadas pela recompensa com alimento, enquanto eu troco a comida por carinho. Assim consigo em quinze dias o que outros treinadores só realizam em seis meses”, relata Percilio.
Percilio e o biólogo amador Alexandre Correia cuidam do Parque dos Falcões que hoje abriga mais de 350 aves de diferentes espécies. O parque é local de acolhida de aves machucadas, abrigo e treinamento de aves de rapina para apresentação de voo livre, para defesa pessoal, controle de fauna em aeroportos ou companhia.
Conhecer José Percílio, Alexandre e os falcões Tito, Chorão, Xaraque, Pimpão, a seriema Lambreta, o urubu Romualdo, o socó-boi Nicinho, as corujas Curcur e Lucinha, o anu Virgolino, a galinha chiadeira Bronquite, comprada por pena e que chocou os ovos dos gaviões Dara, Dedé, Pimpão, Coragem, Jurubeba e Azuma, e o insólito Mutante, meio galinha-de-angola, meio pavão, foi como entrar em uma arca de Noé exclusiva de alados.
(Mais informações: Parque dos Falcões: Povoado Gandu II, BR-235 – km 46, Sergipe, cep 49010-170, ou www.turismosergipe.net )