A inspiração para essa viagem começou logo nas primeiras páginas do livro Shores of Discovery. How Expeditionaries Have Constructed the World, do historiador americano Eric J. Leed. As Bandeiras Paulistas são consideradas uma das principais expedições de todas as épocas. Superior às campanhas de Júlio César na Gália e às incursões Vikings no Novo Mundo? Mais tarde, descubro que essas expedições brasileiras não tiveram similar na História Universal.
Embarco nessa viagem pelas mãos do escultor Victor Brecheret (1894-1955) que idealizou essa obra moderna e audaciosa, em granito, como um instantâneo da vida de uma bandeira em marcha. O Monumento às Bandeiras, em São Paulo, será para mim uma viagem de descobertas e surpresas reveladas pelas quarenta figuras repletas de significados.
Nada ali é por acaso, tudo foi planejado, principalmente a escolha do local. O monumento está em uma paisagem histórica, o Ibirapuera, terra onde viveu o cacique Caiubí. A tropa marcha em direção à avenida Brasil, que tem o nome de nosso país e evoca os caminhos que abriu. A “Cidade em Marcha”, outro nome para as bandeiras, aponta para o Pico do Jaraguá, bússola dos bandeirantes.
Esculpido em um bloco maciço de granito, em movimento ascendente, o monumento exibe a força vigorosa de brancos, negros e índios. Eles avançam na mesma direção, o que traduz um simbolismo de bravura e também de confraternização. Os dois líderes a cavalo, o branco bandeirante e o mameluco (nascido da união branco-índio) são seguidos dos negros responsáveis pelo pouso nos caminhos, pelas plantações e a mineração, e dos índios que abriam caminhos sertão adentro.
E não poderia faltar o batelão. Os rios foram as primeiros estradas para a grande marcha, e as embarcações eram essenciais para transpor quantos rios topassem na viagem. O que se vê na cena é o esforço de arrastar o barco por terra para superar os saltos e as cachoeiras.
Manoel Preto, que morreu flechado como tantos, corresponde, no Monumento, ao bandeirante ferido com a cabeça erguida para o céu. Fernão Dias Pais morreu de febre – alude a figura do bandeirante sendo socorrido pelos companheiros em uma rede. A solidariedade era indispensável para o triunfo das “bandeiras”. No lado oposto dos guerreiros mortos, o simbolismo da vida e da esperança na figura da índia que amamenta o filho.
Dentre os detalhes encontrados no Monumento estão a bateia na mão da índia, o que traz à tona a descoberta do ouro em Minas Gerais, um símbolo de fé que adorna o pescoço de um português, as tatuagens que marcam os rosto dos índios, e um felino abatido carregado por um mameluco.
Volto dessa viagem, com a esperança de que hoje bandeirantes anônimos derrubem nossas fronteiras da desigualdade social e econômica.
*Matéria publicada originalmente em nosso blog Viagens Plásticas do Viagem Estadão