Anime-se para uma festa! Vem comigo a Belém, Pará, onde a festança nasce junto com o dia, quando o sol e os barcos tocam a névoa sobre as águas ambarinas do rio Guajará. Rio que encosta no mercado Ver-o-Peso, coração e palco desta festa. Vamos agorinha mesmo ver a chegada dos coloridos barcos com porões grávidos de frutas e peixes. Assim que atracam no ancoradouro, começa o bailado vaivém dos carregadores transportando cestos de frutas, peixes, açaí, e braçadas de folhas de maniva (mandioca). Depois me conta se já viu coisa igual no mundo. Impossível!
Tão importante para os paraenses quanto a Torre Eiffel para os franceses, o Mercado Ver-o-Peso, tem estrutura de ferro trazida da Inglaterra e foi inaugurado em 1901. Sua influência é tão grande na vida do belenense que só fecha num único dia ao ano – o consagrado a Virgem de Nazaré.
Só lá para sentir os exóticos aromas das frutas regionais que incensam o ar: umari, fruto que só cresce no Pará; pupunha, encontrada nas cores vermelho, verde e laranja; piquiá, fruto carnudo de polpa cor de gema cozida de sabor e aroma inconfundível; ingá, bacuri, cutite cutitiribá de nome tão sonoro que faz a gente até querer dançar; e o rei dos sabores e aromas – o cupuaçu. Embora não seja uma fruta, são as amêndoas da semente, não poderia de reverenciar aqui a castanha-do-Pará.
Nesta hora chega o zombeteiro feirante que me oferece uma folhinha com o botão de uma flor singela para experimentar – o jambu. Pronto, um sobressalto, pois a verdura e sua flor produzem um leve tremorzinho e dormência na boca. Passado o susto, deixa um sabor único.
Ah, pensa que é só! Tem produto de tal fartura e importância que ganha ala inteirinha só para si, como as coloridas pimentas, dentre elas a olho-de-peixe, e a pimenta-de-cheiro. Outro com espaço exclusivo são os peixes de rio e mar: tambaqui, tucunaré, pirarucu, matrinchã, xaréu, aruanã, gó, dourada, e filhote de 60 quilos (imagine o tamanho do pai). A maioria tem nomes indígenas e alguns dos peixes, como o cascudo tem jeitão jurássico. E ainda tem a ala das farinhas de mandioca, e a dedicada aos utensílios para o preparo dos pratos únicos.
Outra com ala própria é a das “bruxas de Belém”, como carinhosamente são chamadas as vendedoras de todo tipo de soluções para as mazelas do corpo e da alma. São 1.600 tipos de ervas, como a amarapuama, a priprioca e o cuxui. Essências do pau-rosa, este usado na composição do Chanel 5; patchuli, considerado o cheiro do Pará, sândalo, além de ingredientes especiais mandingas, são vendidos em garrafas, frasquinhos coloridos ou na forma de unguentos.
Toda esse banquete para os sentidos tem início com a Feira do Açaí, fruta tão importante para o paraense que é homenageada com uma feira só para ela e que acontece todas as madrugadas, ao lado do mercado Ver-o-Peso. A frutinha é o “oro negro”, como a definem os ribeirinhos, e a de melhor qualidade é nativa da Ilha do Marajó. Extraído de uma palmeira que cresce em terrenos alagadiços, pequenino e ácido, de cor arroxeada, quase negro, é conhecido também como o maná da Amazônia.
De alto valor energético e rico em fibras, ele aparece, no norte do país, em receitas tanto doces quanto salgadas, como bolo, pudim, ou mingau. Nas refeições acompanha peixe frito ou camarão. Na sobremesa vira pudim, sorvete ou creme.
Agora com apetite desperto, vou saborear o xodó paraense, o tacacá. Feito de goma de tapioca, tucupi, que é o caldo extraído da mandioca brava, camarões, pimenta e jambu. Tradicionalmente tomado em cuias, não acompanha nem garfo, nem colher, e fica a dúvida, se é bebida ou comida, mas a cuia é tão quente que não dá para segurar.
Toda essa pluralidade gera uma gastronomia singular. Nenhuma é tão brasileira, tão fiel às origens, e tão tradicional, daí registrada como Patrimônio da UNESCO como gastronomia criativa.
*Matéria originalmente publicada no nosso blog Viagens Plásticas do Viagem Estadão