Viagens são como alguns sonhos – escondem a esperança de epifania e de encontrar o inesperado em um mundo imaginário. Uma viagem dessas aconteceu comigo há mais de dez anos quando visitei pela primeira vez a Província de Jujuy, noroeste da Argentina. E agora mais recentemente, a sorte se repetiu.
‘Caramba Heitor, você trabalhou muito no photoshop! ’ Até hoje recordo desta frase da editora de arte, quando entreguei meu primeiro artigo com as fotos de Jujuy, na época pouco conhecido entre os brasileiros. Ainda hoje é difícil acreditar que as imagens das montanhas coloridas são verdadeiras. Mas são.
Agora estou onde desejava estar. Novamente contemplo a paisagem que parece não pertencer a esse mundo. Às sete da manhã, a neblina cobre parte das montanhas e a realidade pictórica dali me surpreende pela vivacidade do colorido que muda de nuances conforme a incidência da luz. Estar presente naquele local também comprova o ditado: ‘uma imagem vale mais que 1000 palavras”. A primeira impressão é que a natureza é exibicionista, pois o grafismo e as cores da terra que o tempo levou 600 milhões de anos para esculpir e colorir, dão o tom ao cenário.
Pinceladas vigorosas de cores marcam as encostas das montanhas da Quebrada de Humahuaca que por sua singularidade foram declaradas, em 2003, Patrimônio da Humanidade pela Unesco. A quebrada é um vale profundo lavrado pelo Rio Grande que se origina a mais de quatro mil metros e avança rumo ao sul numa extensão de 120 km na Cordilheira Oriental dos Andes. O estreito vale não supera em sua largura máxima três quilômetros. Além de Humahuaca, as invencionices das cores afloram na “Montanha das Sete Cores” e na “Paleta do Pintor”. É preciso explicar o porquê de seus nomes?
Curioso, queria saber mais sobre as cores. Seriam bandos de loucos extraterrestres com barris de tintas que saíram pintando montanhas? Claro que não! “É o processo contínuo de acomodação de extratos terrestres e a combinação de vento e chuva. As cores testemunham a evolução geológica da Terra, e oferecem registro do passado de nosso planeta”, relata a geóloga ambiental jujeña Natalia Solis.
Na verdade, elas indicam a presença de minerais e fósseis, bem como a idade daquele afloramento colorido. Para Solis, as cores mais antigas como o azul, verde azulado, violáceo, e salmão foram geradas a partir dos fundos marinhos, muito antes da formação dos Andes. Já os tons amarelos e os laranjas são de períodos mais recentes. Mesmo as formações rochosas contribuem para ajudar na identificação dos períodos, como por exemplo “as pregas” das encostas ou rochas inclinadas que datam de mais de 500 milhões de anos, e foram plissadas pela ação das águas do oceano. As formações de arenito, na cor areia ou chocolate foram moldadas por vento e chuva.
De vez em quando, topo com uma viagem que me pega por inteiro. E não é que nessa minha segunda viagem a Jujuy, fui outra vez surpreendido pelo inusitado? Agora sonho acordado nessa região tipicamente sul-americana, indígena e mestiça. Desta vez o capricho ficou por conta do ‘Toreo de la Vincha’, comemoração à Virgem de la Assunção, na aldeia de Casabindo. Assim como a Quebrada de Humahuaca essa festividade também deveria estar incluída como Patrimônio da Unesco, tal sua originalidade.
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Jujuy tem ainda rochedos recortados que sugerem cidades petrificadas ou imensos castelos de areia, salares, e lugarejos de raro encanto, onde tecelões secam seus tapetes recém-tingidos ao sol, e agricultores fazem o mesmo com pimentas. Os tons vermelhos parecem um rastro de fogo riscando as areias secas.
Ser original no terreno das viagens é um desafio dos mais complicados, ainda que a natureza desse universo seja propícia às mentes que pensam fora da estante. Como despertar para novas aventuras e conhecimentos? Jujuy tem boas respostas.
Considere quando ir:
A melhor opção é Aerolineas Argentinas, com conexão em Buemos Aires
Ou de carro. Uma das alternativas é entrar na Argentina pela cidade Bernardo de Yrigoyen, divisa com Santa Catarina e Paraná. Daí seguir por 1.300 km passando por El Dorado, Corrientes e de lá até Jujuy. A viagem sem correria e com belas paisagens leva em média dois dias.
Onde ficar:
Em S. S. de Jujuy, ficamos no Howard Johnson Plaza Jujuy, www.hjjujuy.com.ar Excelentes e amplas habitações, localização central
Na Quebrada de Humahuaca, optei por ficar na cidade de Tilcara, no Hotel El Reposo del Diablo, www.reposodeldiablo.com Quartos bem decorados, espaçosos, e muita hospitalidade. A escolha do alojamento em Tilcara recaiu devido ser um ponto próximo de meus destinos
COMER
Em S.S. de Jujuy, uma boa pedida é o Restaurante Callas, www.hjjujuy.com.ar
Em Tilcara, nosso restaurante preferido foi o do hotel Reposo del Diablo. Sua gastronomia privilegia produtos regionais como empanadas, quesillos, dulce de cayote, tortilhas al rescoldo, etc
Em Purmamarca, a escolha foi perfeita: o Restaurante Tierra de Colores, rua Libertad s/n. Especialidade em assados de cordeiro, de lhama, e pratos típicos locais a base de quinoa, milho e queijo de cabra.
Outra boa dica em Purmamarca são os petiscos da tradicional cozinha criolla andina servidos na barraquinha de rua da chef Tere Sarmiento
PASSEIOS
Turismo Rural Los Naranjos, em El Carmen, localidade próxima de S. S. de Jujuy. Cavalgadas, trekking, café rural saboroso e danças típicas
COMPRAS
A sugestão são ponchos, malhas e tapetes coloridos encontrados nas feiras artesanais, alguns feitos em teares manuais, em geral com bons preços
PARA SABER MAIS
www.turismojujuy.gov.ar
*Matéria publicada originalmente em nosso blog Viagens Plásticas do Viagem Estadão