Talvez esses nomes não trazem, nos dias atuais, lembranças do que eles realmente representaram. Conhecidos por parte dos apreciadores de uma boa aventura, esses dois barcos são marcos de conquistas e orgulho dos noruegueses.
Fram e Kon-Tiki foram os pilares que definiram minha viagem a Oslo, Noruega. Desejava conhecer os museus a eles dedicados, e entrar no universo dessas marcantes conquistas de nossa história.
Então, todos a bordo!
No meio da maior competição da história, no início do século passado, nações peso pesado, como Inglaterra, Estados Unidos, Alemanha e França tinham obsessão para ver quem chegava primeiro nos Polos geográficos da Terra.
Para a conquista do Polo Norte não houve fair play. Em 1909, o médico Frederick Cook anunciou com pompa, em Nova York, ter sido o primeiro homem a pisar lá. Logo depois, o engenheiro Robert Peary proclamou o mesmo feito. As declarações de ambos provocaram polêmica. Peary, no entanto, soube mobilizar a opinião pública a seu favor e ganhou no tapetão.
E aí, o foco se voltou para a heroica conquista da Antártida.
De 1901 a 1910 várias expedições tentaram alcançar o Polo Sul, e todas fizeram água no meio da empreitada. No ano seguinte, a Inglaterra jogou todas as fichas em Robert Scott, exímio navegador e conhecedor da Antártida já com duas tentativas anteriores para alcançar o Polo. Scott apostou no transporte de mulas e pela primeira vez na utilização de tratores com esteiras.
Quase ao mesmo tempo, mas sem contar com equipamentos modernos para a época, a Noruega apostava em Roald Amundsen (1872-1928) para a conquista do Polo Sul. Dotado de organização perfeita, confiando mais em técnicas antigas como a de cães para puxar os trenós, e com navio construído especialmente para enfrentar mares congelados – o Fram –, o norueguês chegou ao polo em 14 de dezembro de 1911. Um mês de antecedência do rival inglês.
Toda a saga da expedição de Amundsen está representada no museu, inclusive a atração principal – o próprio Fram. Embarquei na nau, que hoje conta com a interatividade de diversos sons como madeira rangendo, bando de aves ruidosas em voos rasantes, ventania, vozerio dos marujos, além dos cheiros de alcatrão que se mistura com algo que se cozinha, e o da forte maresia. De imediato me fez sentir um tripulante dessa jornada para a conquista do Polo Sul. Além de toda parafernália da expedição, esse aspecto sensorial é o que o museu tem de melhor.
Até que ponto o desejo de aventura se transforma em obstinação!
Essa é a história de outro gigante, dessa vez com forte pegada antropológica – Thor Heyerdahl (1914-2002). Mais do que a apreciação biográfica e histórica, o Museu Kon-Tiki traz ao primeiro plano a febre da aventura que não se esgota como valor maior, algo que nossa humanidade não quer perder.
A história das expedições de Heyerdahl não ficou eternizada somente na literatura. Ela é até hoje ponte de inspiração para novas jornadas de conhecimento. Sua teoria era que as civilizações pré-europeias tinham à disposição embarcações em condições de navegar em alto mar, e que os oceanos do mundo não ofereciam barreiras intransponíveis, mas sim eram um elo que os unia.
A idéia que atravessou todo o trabalho de pesquisa de Heyerdahl foi mostrar, em 1947, que povos da América do Sul poderiam ter sido os primeiros habitantes da Oceania.
Com apoio de instituições particulares, e com base em desenhos antigos, construiu uma autêntica balsa inca pré-colombiana feita de troncos, utilizando na construção só elementos existentes na natureza e ferramentas da época. A barca foi então batizada com o nome de “Kon-Tiki” – deus sol dos polinésios. Orientado somente pelas estrelas, navegou nessa balsa durante 101 dias de Callao, Peru, até Raroia, no arquipélago de Tuamotú, numa viagem cheia de reviravoltas, suspense e que a cada dia ganhava potência dramática.
Hoje sua teoria de que povos ameríndios puderam colonizar a Pacífico tem evidências concretas na ilha de Páscoa, onde Heyerdahl encontrou totora e camote (uma espécie de batata peruana). Com a madeira os habitantes da ilha construiam suas pequenas embarcações iguais as balsas incas. Além disso um dos moais tem o desenho de uma embarcação de totora. Porém, onde a cultura inca se mostra com maior força é na ilha de Vinapu. Ali um monumento funerário ahu-moai é construido ao modo inca, com grandes blocos de pedra de bordas arredondadas.
O museu Kon-Tiki, em Oslo, possui uma réplica perfeita da balsa, pois a original se desintegrou em sua chegada à ilha, e outras embarcações construídas com o mesmo propósito, como a “Ra II”. Esta é toda feita de papiro, e nela Heyerdahl atravessou o Atlântico, partindo do Marrocos até Barbados, no Caribe. Mais uma viagem para dar voz a sua teoria que considera possível o homem navegar grandes distâncias levado pelo ventos e pelas correntes marítimas, e que o oceano foi ponte de encontro entre povos e civilizações.
A Noruega, já bem consolidada com sua natureza de mão cheia, ganha novos atrativos nos museus Fram e Kon-Tiki onde eles entram como companheiros e fonte de inspiração. Ali a aventura é para todos.