A Catuiçara, rua paulistana onde morava quando menina, terminava num bosque. Um caminho de apenas três quadras me separava do final do arco-íris, pois coisas extraordinárias surgiam ali como por encanto. Certa vez no começo da primavera, na barafunda de árvores caídas, folhas e galhos secos, meu pai encontrou um soffione – flor que se assopra.
Ele colheu o que imaginei ser um pompom translúcido, trouxe-o para perto do meu rosto e pediu que soprasse. No primeiro momento, a sopradela causou apenas um frenesi na esfera cheia de pluminhas, e veio então o segundo pedido: sopre, sopre forte! Ahh! Alegria! Pequenos guarda-chuvas brancos começaram vacilantes a destacar-se do miolo para em seguida zumm, partir ao vento em bandos como fazem as abelhas.
Quem já soprou um pompom, sabe – é uma das belas lembranças da meninice.
Desde aquele dia, muitos dos significados dessa flor voam ao meu redor.
Mas, eu ainda não a apresentei: o nome dela é dente de leão, do francês já abreviado dandellion, que alude a forma denteada de suas folhas. Cor de quindim, a flor é favorita das abelhas, coelhos, e dos místicos pois a planta apresenta-se como o sol e lua. Já os cristãos associam a Cristo e à Maria. Na Itália além de soffione, é piscialetto, faz xixi na cama, por sua ação diurética. O batismo mais bonito, porém, é brasileiro – Esperança. Mas, para os que desejam comer suas flores e folhas é preciso saber seu nome científico: Taraxacum officinale. Sim, ela é comestível, mais conhecida como chicória selvagem.
Para os celtas a transparente esfera das sementes era morada dos espíritos dos bosques.
Conta a lenda que Teseu durante 30 dias só se alimentou de suas folhas amargas a fim de adquirir força e confiança para enfrentar o Minotauro. Para não sofrer tanto com o sabor, a dica é escolher folhas mais novas e regar com um fio de azeite de oliva. O antes ‘café dos pobres’, mistura torrada de seus rizomas e raízes, é hoje um café gourmet.
Já as corolas amarelas, cada uma de suas pétalas é flor completa, entram no preparo de geleias, fritadas, e de aromático mel. E, mais, o dente de leão é medicinal. Suas propriedades curativas eram conhecidas desde tempos remotos. É eficaz também contra mazelas da alma, como a raiva e o medo. Para as bruxas o dente de leão possuía poderes mágicos, era só esfregar o etéreo pompom na pele, e puff, desapareciam verrugas e sardas.
Colhi todos esses ensinamentos sobre o dente de leão nos diversos caminhos que percorri no mundo. Me encantei com joias com mini cadinhos de vidro contendo uma semente elaboradas por artesãos irlandeses.
Mas, o que mais gosto mesmo é o que a flor me assopra – o desprendimento da viagem. As delicadas sementes com ares de paraquedas, de início titubeiam não dispostas a deixar a ‘casa’. Aos poucos, porém, cada uma sabe a hora certa de zarpar, e já impávidas saem livres levadas pelo vento. Superam o medo do desconhecido. Seguem o fluxo da vida, partem para novas descobertas, oportunidades, e uma nova vida. Venceram o conflito entre a segurança e a aventura.
A mim, impulsionam-me a viajar.
*Matéria publicada originalmente em nosso blog Viagens Plásticas do Viagem Estadão