Se é possível decifrar a natureza de um país, o Brasil é daqueles que não se entregam. Quer ver? No litoral nordeste praias de areia marfim, coqueiros e águas turmalinas contrastam com as praias do norte. Para começar, ali o oceano é doce. Somos atraídos por uma natureza darwiniana que na maré baixa dá a impressão de que o mar pediu a conta e se mandou pra bem longe. É quando as praias chegam a ter dois quilômetros de largura, e alcançar as águas exige uma boa caminhada. Já no extremo sul, fazer cooper em toda extensão da Praia do Cassino é prova de resistência – são 240 km.
Para quem gosta de diversidade as viagens pelo Brasil são uma festa
E, se mencionarmos o festival de praias fluviais, aquelas com jeitão selvagem no meio das florestas? A Floresta Amazônica é fantástica, só vendo…E mesmo vendo é difícil de acreditar. São rios de águas escuras que não se misturam com os de águas barrentas, labirintos de igarapés e igapós no meio de mata fechada, e onde um insólito arco-íris de uma única cor, escarlate, corre solto contra o céu ultramarino. São os guarás vermelhos, aves dos trópicos, que antecipam o pôr-do-sol na ilha Canela, no litoral bragantino do Pará. Com o pouso desses pássaros, as árvores no interior do mangue, antes de um verde absoluto, agora parecem enfeitadas para o Natal. São mais de 25 mil aves que se aninham nesta pequena ilha.
Já se a gente acordar em Parintins, às margens do Rio Amazonas, num certo dia de junho, dá pra se acreditar daltônico. Ali a camisa canarinho de nossa seleção é vermelha, e as garrafas de coca-cola são azuis. Não, não é um conto de realismo mágico do nosso Murilo Rubião (1916-91), mas os dias de festa da cidade que fica vestida das cores azul e vermelha dos bois-bumbás rivais: Garantido e Caprichoso. A floresta é lugar para adestrar a imaginação. Avistar o Monte Roraima e seus platôs alude a cenários de ficção cientifica. Que o diga o escritor Conan Doyle (1859-1930) que captou a natureza dali e a transferiu para sua obra “O Mundo Perdido”, lugar que abriga dinossauros e afins.
Provas não faltam para legitimar os permanentes encantos da Amazônia onde os fenômenos da natureza transbordam. É o caso da pororoca, ou poroc-poroc, que no idioma tupi significa estrondo: são as marés do Atlântico que tomadas de força impressionante invertem a correnteza do rio Amazonas e avançam a velocidades de até 25 km/h, gerando ondas que se elevam a 3,5 m. Barulhão por barulhão essas águas só perdem para as Cataratas do Iguaçu e suas 275 quedas, no sul do país.
Temos tal riqueza de imagens que ninguém se espante de encontrar turistas europeus passeando na quentura do sertão nordestino. O sertão virou moda e desponta como um dos mais sedutores destinos turísticos do país, com atrações que vão desde o verde até a terra castigada pela seca. Puro surrealismo.
Há também lugares que brincam com o tempo. Paraty é um deles, aninhada entre a exuberância tropical da Serra do Mar e as águas tranqüilas da baía de Ilha Grande, quase na divisa dos Estados de São Paulo e Rio de Janeiro. A cidade, hoje Patrimônio Mundial da Humanidade, pela UNESCO, é ponto de partida para uma viagem pela história do Brasil, e oportunidade única de conferir um dos conjuntos arquitetônicos mais harmoniosos de todo o país. Ali é profunda a influência lusitana e tudo nos remete aos séculos 18 e 19.
E, nas cidades históricas de Minas Gerais o tempo também arrasta o pé. O passado se mistura ao presente, uma história vai outra vem nestas que foram as cidades mais ricas do Império.
E agora que lugar é este que, percorrendo poucos quilômetros, é como se cruzássemos diferentes países europeus? Ali vivem brasileiros com cabelos cor de pinhão, ou de cidra, pele de neve, olhos de mar e bochechas parecendo ferro em brasa. Nessa terra tutti-frutti é de se admirar com as plantações de uva, banana, repolho, e se encantar com o céu refletido nas águas dos arrozais. Flertar com tantos jardins floridos, saborear sua gastronomia farta, deter-se em queijarias, destilarias e vinícolas e adquirir seu belo artesanato. No inverno tem até mesmo aquele sol querendo entrar em cena, no meio da névoa, que aquece menos que lâmpada de geladeira. Esse lugar, tão bem batizado de Vale Europeu, reúne dezoito municípios ao redor de Blumenau, Santa Catarina, com descendentes alemães, italianos, açorianos, poloneses, húngaros e ucranianos.
A natureza do Brasil também prega peças. Lençóis Maranhenses, por exemplo, é um lugar que se transfigura conforme a estação do ano: a das chuvas – de fevereiro a maio – e a das vazantes, de agosto a dezembro. Quem a vir em uma só dessas estações levará uma imagem tão verdadeira como enganosa. Porque, se ora é deserto, em outra parece oásis. Metade do ano os Lençóis ficam “encharcados” com lagoas de cores cintilantes e cachoeiras entre as dunas de até 20 metros de altura. Na outra estação o sol faz até a sombra se esconder, e o espetáculo fica por conta da areia ocre, amarela, branca que desliza agilmente, configurando a graça do vento.
No cerrado, outra pegadinha. Palmeiras desgrenhadas por ventanias, uma banal vegetação rasteira formada por arbustos com troncos e galhos retorcidos, e enormes paredões de rochas em variados matizes de cinza, indicam que a paisagem ali ainda continua na primeira dentição. Mas sob estas matas secas do cerrado goiano corre uma natureza exuberante. São as cavernas do Parque Estadual de Terra Ronca, no município de São Domingos. Com extensão que supera um quilômetro são mais de 65, e muitas escondem rios subterrâneos, galerias e salões com estalactites, estalagmites, cortinas ou paredões dobrados, ninhos de aeólitos ou pérolas, travertinos ou degraus de piscinas, flores de aragonita e calcita.
Enfim, a impressão que fica de nossa natureza é a de que vários esboços de paraíso foram aqui feitos pela mão do Criador. Há muitos Brasis. E há que os descobrir.
*Matéria publicada originalmente no nosso blog Viagens Plásticas do Viagem Estadão