Em princípio este não era o meu caso, mas há muitas maneiras de se realizar uma viagem iniciática. A mais conhecida delas é o “Caminho de Santiago”, ou um pouquinho mais perto, ali no Espírito Santo, “Nos Passos de Anchieta”, mas se preferir bem longe, então o “Shikoku Henro”, no Japão, é bola dentro.
Mas minha ideia inicial da viagem era flertar com a aventura, e tentando ser arrojado, escolhi Galápagos, numa época que este nome soava como hoje ecoa Kamchatka.
Os prazeres da viagem de férias significavam para mim a oportunidade de exercer a liberdade que ela proporciona, realizar meu hobby, a fotografia, e colocar a palavra em marcha. Quando retornava, porém, tudo acabava em fumaça, mal via minhas fotos, e não tinha tempo para escrever minhas experiências. Sentia que na minha vida cotidiana substituía o mascarpone por requeijão na receita do tiramisu da minha vó Pina.
O que também não sabia é que em lugares como Galápagos, longe do confete, nossas identidades estão em trânsito e que, ali mesmo, eu jogaria a toalha e sairia do meu time. Chega um momento na vida de uma pessoa em que ela toma a decisão de simplesmente viver, existir, vencer. Que sentido faz em fingir que sou outro?
Galápagos teve marca de rito de passagem, mas com certeza o sinal de desvio de rumo teria sido percebido por mim em qualquer outro lugar. Não pôde passar despercebida também a influência das paisagens dessas ilhas que com sua natureza quase imaginária favorece o estilo confessional. A esta faculdade de termos revelações ou acidentalmente descobrirmos alguma coisa fortuita, chamamos de serendipity, termo cunhado por um viajante inglês do século 18.
Por que em Galápagos? Neste arquipélago me depararei com um novo mundo. O céu lápis-lazúli abriga um sol que assusta sombra, mas deixa entrever a paisagem do despertar do mundo. Entre fumarolas, campos de lava negra, gêiseres, vulcões em atividade, cactos gigantescos, uma vegetação rasteira de cor platina e um mar azul-turquesa com círculos esmeraldas resultantes da presença de crateras submersas, eu não precisei de mais nada. Só ouvir o silêncio.
O som vem do marulho das ondas ou dos pássaros. E que pássaros! Os atobás-de-pata-azul, ou o de pata-vermelha assobiam e dançam em ritual amoroso, a fragata faz firulas para a namorada inflando um enorme papo escarlate, os iguanas, de aparência monstruosa pela crista e lombo dentados, compartilham o banho de sol com leões-marinhos. Mais ainda? Aquelas praias são frequentadas até por pinguins e tubarões!
Como nenhum desses animais tem predadores nas ilhas, todos vivem na maior harmonia, são tolerantes uns com os outros e não se assustam com a presença de humanos. Não se pode tocar nos bichos, mas eles me tocaram.
Nesse cenário e com aqueles personagens foi impossível não abrir caminhos e fazer descobertas que quebram velhos valores. Muita coisa se passou com Charles Darwin, e as ilhas Galápagos continuam sendo um dos marcos e referências de sua teoria. Para mim foi o start de uma mudança.
A teoria de Darwin criou um frisson mundial, já a minha evolução foi residual. Ele foi tachado de louco, eu de biruta por largar a engenharia e começar tudo do zero. Passaria por uma transformação semelhante à de Clark Kent numa cabine telefônica.
Ao embarcar de volta eu não era mais a mesma pessoa. No mínimo, virei jornalista aos meus próprios olhos. Desde que isto aconteceu, tenho uma vida em que nunca me desligo do prazer de escrever e fotografar.
Heitor Reali e Silvia Reali são editores do site Viramundo e Mundovirado dedicado a viagens que instigam o viajante a procurar novos ângulos e olhares durante seu roteiro.
*Matéria publicada originalmente no blog Viagens Plásticas do Viagem Estadão