Certa vez, fui a Veneza para comemorar meu aniversário. Era uma escolha natural, pois além de ser minha cidade predileta na Itália, cercada de beleza, era a terra natal de meus antepassados. Logo no primeiro dia, debaixo de sol forte, em uma vitrine, a harmoniosa forma circular – um chapéu – saltou aos meus olhos. A ondulação suave daquele panamá criava tons sutis entre o marfim e o alabastro.
Meu deslumbramento foi imediato.
Pouco depois eu deixava a cappelleria com o meu superfino Montecristi na cabeça, com o cartão de crédito queimando no bolso, mas com a certeza de que chapéu-panamá e elegância combinam mais do que se imagina.
E estimula a imaginação. Não sei por que, mas ele tem para mim quase o mesmo efeito do boné do sr. Pacífico. Para quem não se lembra deste desenho animado da década de 60, o personagem, um sujeito comum, encontra um boné tecido com os cabelos de Sansão, cortados por Dalila, e a partir daí, sempre que o veste, se torna forte, intrépido, e provoca suspiros na mulherada.
Naquele dia também decidi sair em busca das origens da minha preciosidade recém adquirida. O fio da meada, quem diria, não está no Panamá, mas no Equador. Quando ali cheguei, anos mais tarde, eu iria conhecer a história do chapéu.
Nos idos de 1600, os colonizadores espanhóis notaram a excelência dos sombreros produzidos pelos indígenas de Manabí, região oriental do Equador, mais particularmente nas cidadezinhas de nomes sonoros como Sígsig, Jipijapa e Montecristi. Hábeis artesãos, eles trabalhavam com uma fibra muito fina, alva, flexível e resistente, obtida das folhas de uma palmeira nativa. Com ela produziam pequenos chapéus que mais pareciam uma touca, a toquilla; pori sso eram conhecidos como sombreros de paja toquilla.
Então onde entra o panamá?
A saber: nenhum panamá é do Panamá. Que imbróglio é esse?
Na época da construção do Canal do Panamá, que uniria os oceanos Atlântico e Pacífico, milhares de engenheiros, técnicos e trabalhadores precisavam de um chapéu de trama bem fechada para protegê-los do forte sol tropical. E que fosse leve. O que reunia todos esses predicados era um chapéu produzido em Cuenca, que então começou a ser exportado para a região das obras do Canal. Ao constatar a qualidade dos chapéus, os americanos passaram a revendê-los para seu país, via Panamá, como panamá hat, daí a confusão.
O centro de gravidade desse chapéu é Cuenca. Cidade histórica e pitoresca, tombada como Patrimônio da Humanidade pela Unesco, e assim como Veneza, merece uma visita acurada. Só não espere ver seu chapéu nascendo. O processo já terá começado oito meses antes, quando o camponês colheu a palha, cortou as fibras em milimétricas diferenças, ferveu-as em água e sabão e deixou-as secar ao sol.
Vistos contra a luz, é possível entender porque alguns chapéus custam 20 dólares e outros 700. Quanto mais fechado o entrelaçamento, mais refinado é o chapéu. Um superfino, que se caracteriza pelo número de 24 enjires (voltas) do chapéu e pela qualidade da paja toquilla, demora até quatro meses para ser concluído.
No acabamento, os fios excedentes da aba são arrematados, e os chapéus colocados em formas especiais. Nesse momento vem a classificação: fino, finofino e superfino conforme o espaçamento da trama. Como toque final são aplicadas a fita – quase sempre negra, ou marrom-mogno – e a etiqueta.
Não totalmente satisfeitos, Silvia e eu viajamos durante uma madrugada fria até as montanhas à procura dos artesãos. Estes, em sua maioria, já partiram para Guayaquil onde trabalham como pedreiros, enquanto a arte dos chapéus ficou restrita quase exclusivamente às mulheres que, de quebra, ainda cuidam das plantações e dos muitos filhos.
Na praça da cidadezinha de Gualaceo, a mais de 2 mil metros de altitude – onde os representantes das fábricas adquirem a produção semanal – nos informam que encontraremos alguns artesãos na missa. O templo está quase às escuras. Subitamente o silêncio é quebrado pelo badalar do sino, tão vigoroso como o sol que agora começa a atravessar os vitrais.
Um deles chama nossa atenção: ali, a figura de Jesus Cristo está retratada não com uma coroa de espinhos, mas com um adereço leve, de beleza atemporal. Um chapéu-panamá!
*Matéria publicada originalmente em nosso blog Viagens Plásticas do Viagem Estadao
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