Cornualha. Para mim esse condado no sudoeste da Inglaterra sempre esteve presente na literatura fantástica inglesa. Foi o território mítico dos Cavaleiros da Távola Redonda, dos piratas e contrabandistas, de cottages de pedra sobre rochedos, de pássaros que sem motivo nenhum atacam as pessoas, de crimes misteriosos nos famosos romances de Sir Conan Doyle, Agatha Christie, Daphne du Maurier, Marion Z. Badley, e muitos outros. Assim vou atrás dos cenários que inspiraram Sir Conan Doyle para sua obra-prima O Cão dos Baskervilles.
Curiosidade é uma forma de procurar conhecimento.
O ponto de partida para essa aventura foi a estação ferroviária de Reading, a mais próxima do aeroporto de Heathrow, Londres, em direção à Cornualha. A luz tênue e difusa resultante da névoa do amanhecer encobria as plataformas e os trens, e de imediato evoca as nuvens do vapor que envolvia as antigas estações. Faltam apenas o apito e o silvo dos pistões. Entrando no clima dessa literatura só falta agora trombar com um fantasma. Mas fantasmas são viajantes noturnos, dizia nosso poeta Mario Quintana.
O trem parte. Pela janela, segurando uma caneca de chá, observo as imagens que correm rapidamente. Passados os vilarejos, as casas se espalham aqui e acolá pelos campos que separam as terras cultivadas das áridas. Nestas, os poucos vestígios de ocupação humana que persistem assumem usualmente a forma de uma manor house solitária de algum lorde ou a cabana de um pastor.
O que me impressiona quando chego à Cornualha, último bastião da cultura celta na Inglaterra, região forjada por mineiros e pescadores, é a força de sua natureza: o litoral açoitado pelo mar revolto, penhascos negros que emergem das águas oceânicas, longas extensões de falésias, pântanos, vastos monólitos que, dizem, são marcos de templos do Neolítico. Tudo isso, por vezes, envolto em denso nevoeiro. Nesse pano de fundo desenham-se as feições góticas dos vilarejos, onde se destacam as silhuetas de cúpulas de igrejas, lápides e cruzes celtas recobertas de musgo, e ruínas de castelos sombrios. Um cenário que me coloca na zona fronteiriça entre realidade e tudo o que a transborda – magia e superstição. Por isso mesmo, um universo inspirador.
Sinto que às vezes apenas o mistério de uma paisagem é suficiente para salvar uma história. E que grande história! Foi o caso quando me aproximei dos pântanos de Dartmoor, em Devon, cujos campos nas palavras de Conan Doyle:
“se desenham em longos planos de quadrados verdes, com pequenas elevações de morros cinzentos que se coroam por cristas de granito recortados em formas fantásticas, quase invisíveis através da garoa e da neblina”
Um lugar perfeito para galopar? Pode tirar seu cavalinho da chuva. Aquela região encerra uma infinidade de segredos, lendas, superstições e mistérios em seu labirinto aquoso de terras movediças. Talvez por isso tenha sido cenário do seu mitológico livro O Cão dos Baskervilles.
Nesse ambiente realista fico sabendo pelo guia sr. Frank Turner que o escritor tomou emprestado o nome de um camponês – Baskervilles – e o associou a um dos mistérios eternizados entre os moradores dessa região da Cornualha: o do Túmulo de Cabel.
Esta história inicia-se em 1656 e narra o ataque de ferozes cães no pântano de Dartmoor. Cristalizado no imaginário popular do vilarejo de Buckfastleigh, até hoje as mães evitam que seus filhos saiam de casa ao anoitecer, como em uma passagem do livro O Cão dos Baskerville:
“aconselho como meio de prudência, a não atravessar os pântanos naquelas sombrias horas em que os poderes do mal estão exaltados”.
O clima obscuro dessas aldeias, a sarabanda dos pássaros se acomodando nas árvores daquele cemitério quando a noite começa a chegar… “da meia-lua que surge no meio de nuvens velozes”, o som do vento, tudo contribui para que ali se instalasse uma atmosfera de inquietude.
Inquieto, na verdade apavorado, também estava o senhor Turner que me alertou que era melhor ir embora para não ter que comprovar pessoalmente essa história.
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