Pollyanna, jovem personagem do livro de Eleanor Porter, aprendeu com seu pai o “jogo do contente”. Nele há uma única regra: ver o lado bom de circunstância desfavorável. Assim, por exemplo, dias desbotados e macambúzios – pesadelo dos fotógrafos de viagem – têm sua face positiva. Na verdade, sem a luz intensa e o brilho do sol as cores se intensificam. Em Aysén, Patagônia chilena, onde dizem chove dia sim e dia também, vale aplicar o jogo da Pollyanna: sem essa rega diária, o que seria do verde?
Por conta da chuva a região é chamada de ‘bosque sempre verde’. Ali as copas das árvores têm um matiz escuro e assustador, mas os vales são acarpetados de luminosa e fluorescente nuance verde. E, ainda tem os delicados musgos que se agarram nos troncos de um verde claro feito alface nova, plantas verdes garapa, árvores centenárias verdes azeitona, sem contar os verdes azulados e cambiantes das águas dos fiordes e lagoas. Enfim, overdose de verde.
E, o que dizer das outras cores? Em Aysén a cor branca merecia registros só para ela, como o branco puro da neve, o pérola das geleiras, o suave das macieiras em flor, a alvura dos cisnes de pescoço negro, o alabastro das cascadas, o colar dos condores, ou o branco de um cordeiro recém-nascido.
A cor que tem uma infinidade de tons e meios-tons em Aysén é o cinza, sem contar os riscados, pontilhados, pintas, e o salpimenta das pedras dos rios. Já os cinzas das Cavernas de Mármore cinzeladas pelas tumultuosas águas do Lago General Carrera é o triunfo da cor e o refinamento dos grafismos. E ainda vale mencionar o cinza das rochas, dos troncos das árvores, do peito do carancho, o nosso carcará, das asas do martim pescador e o fino cinza claro das asas da bandurria, parente da garça, para citar apenas algumas aves de Aysén. E, falta nomear o cinza prata liquida dos rios.
O azul, ah! essa cor para mim, ganhou uma tonalidade específica. Assim como se define um amarelo quindim e o vermelho café de vez, tenho agora o azul geleira patagônia. É tom único, frio e cintilante como nenhum outro azul do mundo.
O amarelo aparece nas nuances da palha seca, o amarelo mel da flor michay, e o brilhante das folhas do álamo. Essa árvore não é nativa da Patagônia, mas se adaptou tão bem que já faz parte da paisagem, além de perfeito corta-vento. Agora, uma paradinha: a palavra alameda vem de fileira de álamos. Por isso ele é plantado lado a lado e em longas filas para proteger as plantações. Já o amarelo enxofre do dente de leão pipoca nos campos na primavera chilena até perder de vista.
Na gama dos amarelos tostados estão os castanhos como o pelo do huemul, cervo andino um pouco mais robusto e de patas mais curtas, e o ocre dourado do puma. Bonito e imponente, é o maior felino do Chile, e vive em zonas isoladas da cordilheira. O âmbar das pedras de rio, e o tom terroso do dorso ondeado das colinas e montanhas nas estepes mais secas, e o canela do tronco dos arrayanes, árvore que cresce ao longo das correntes de água em florestas do sul do Chile. O tronco é muito gelado ao toque e tem casca cor cinza claro e canela. E ainda tem o bronze do ‘cordero al palo’, prato típico patagônico, assado em fogo de chão.
Do cor-de-rosa das flores da cerejeira, ao rosa intenso da carne do salmão, passando pelo vermelho da pinha da nalca, e a cor de pinhão do peito do cisne andino e do chucao. Essa ave, pouco mais gordinha do que nosso sabiá laranjeira, é curiosa e quando ouve a batucada do pica-pau, em Aysén chamado de pássaro carpinteiro, se aproxima porque sempre pode sobrar um inseto assustado com o barulho que ele rapidamente surrupia. Dizem por ali que se ele cantar do seu lado direito é sorte, se do esquerdo, ‘todo perdido’, melhor voltar logo para casa.
E multicolor em Aysén, tem? Ora se tem, e não só para rimar. Tem a flor lupino, caleidoscópica, que podem atingir um metro de altura, e sua coloração vai do rosa claro à fúcsia, lilás, violeta, cereja, até nuances de azul. E sempre tem a surpresa de um arco-íris quando juntos aparecem o sol e a chuva.
Mas é só quando surgem as coloridas casas do ayseninos que a paisagem ganha o arremate caprichoso que faltava. As aldeias de menos de 80 almas surgem com suas casas de desenhos simples como aqueles traços de crianças onde cada parede tem uma cor, as janelas outras, o telhado laranja, a fumacinha branca, e a cerca ganha um vermelho vivo e encarnado.
Para curtir todas essas cores considere se hospedar no Hotel Loberias del Sur. E damos as razões para essa escolha: localização perfeita, diante do Porto de Chacabuco de onde partem catamarãs, para ver de perto o azul da Laguna São Rafael. E para ficar ‘de molho’ nas piscinas verde azuladas da Ensenada Perez com água aquecida pelo vulcão Maca. As excursões em vans percorrem parte da Carretera Austral e chegam ao Parque Nacional Queulat e Parque Aykén del Sur, locais para observar aves, árvores e espécies nativas.
Para chegar até as magníficas Cavernas de Mármore, há um pernoite encantador próximo ao porto de Puerto Tranquilo, local de partida dos barcos, onde ficam as cabanas de madeira do Mallin Colorado Ecolodge com vista para o Lago General Carrera e diante do Cordão Contreras.
Mais em:
www.loberiasdelsur.cl
www.mallincolorado.cl
*Matéria publicada originalmente no nosso blog Viagens Plásticas, do Viagem Estadão