A arquitetura, qualquer que seja sua natureza, me entusiasma. Por isso, quando li que singelas igrejas de madeira do século 17, erguidas por nativos – exímios construtores de barcos – foram declaradas Patrimônio da Humanidade pela UNESCO, zarpei sem demora numa viagem a Chiloé. Neste arquipélago, centro sul do Chile, as igrejas são exemplo único na América Latina de arquitetura religiosa em madeira, e representam o êxito da fusão entre a cultura indígena e europeia, a completa integração da arquitetura com a paisagem, além de manterem os valores espirituais de suas comunidades.
Igreja de Santa Maria de Achao
Toda vez que me encontro no local que motivou minha viagem mal seguro a ansiedade. Sigo com ela então, para a Ilha de Quinchao, e começo meu roteiro por uma das mais antigas igrejas de Chiloé, 1690, cuja patrona é Santa Maria de Loreto.
Sóbria e rústica, toda revestida de tejuelas, telhas de madeira colocadas simetricamente se encontram descoradas num tom entre o cinzento e o castanho. Quase sem atrativos que me despertassem a atenção, entro impaciente no templo. Bênçãos!! Eis que encontro aqui a maior definição de contraste. Pinturas e entalhes adornam o altar, o sacrário, os nichos dos santos, a abóboda e o púlpito, em tons de azul entre o cobalto e o celeste que se destacam do laranja claro da madeira.
Igreja de Dalcahue
Uma capela dedicada à Nossa Senhora das Dores, erguida em 1734, foi sendo ampliada durante séculos até se tornar em 1902 a maior igreja do arquipélago. O portal elegante tem 9 arcos, e um pequeno museu na sacristia abriga produtos típicos da vila. O nome Dalcahue é composto de dalca, bote, e hue que significa lugar.
Harmoniosamente integradas à paisagem, as igrejas de madeira desta ilha chilena são testemunhas do rico patrimônio espiritual dessa nação
É bem visível o carinho das mulheres dali por Nossa Senhora das Dores, patrona de Dalcahue: manto, vestido e até o terço são feitos em crochê. Sua auréola sugere o tradicional pente das espanholas
crédito: viramundo e mundovirado
Igreja de São Francisco de Castro
Na praça da principal cidade de Chiloé, Castro, a imponente igreja dedicada a São Francisco, por sua grandiosidade é chamada pelos chilotas de Catedral. O templo original data de 1567, mas duas vezes foi destruído por piratas holandeses, já em 1902 consumido por um incêndio, e a partir daí reconstruído sucessivamente. Seu interior tem a cor quente das madeiras nativas que foram trabalhadas com grafismos e entalhes nos altares, muros, janelas e balaustras.
Igreja de Nossa Senhora das Graças de Nercón
A igreja de Nercón, de 1734, tem bela localização ao lado de uma baía, um jardim ao estilo clássico com canteiros ladeados de buxinhos, e ao lado o cemitério como era o costume.
Rústica, mas imponente e solene, essa igreja me transmite tranquilidade. Uma vez mais sou surpreendida por seu interior, desta vez, não por conta da arquitetura, mas pelo capricho da decoração. Acreditei até mesmo que um casamento iria se realizar, mas era a festa da padroeira Nossa Senhora das Graças.
Na vastidão da abóboda navega um barquinho solitário, forma de pedir benção e graças aos pescadores que enfrentam o Oceano Pacífico que trai seu nome, ou aos construtores da igreja que vieram de barco da distante Patagônia.
Durante séculos as torres dessas igrejas serviram como verdadeiros faróis para os navegantes chilotes
Igreja de Ichuac
Depois de breve travessia em balsa, chego em Lemuy, ilha onde a igreja está em meio a um jardim verde brilhante com esparsos narcisos amarelos. D. Maria, a guardiã da chave do templo, me diz que os fiéis são incansáveis e se esforçam para conservar e restaurar o templo, assim como recuperar as antigas tradições como os cânticos pascais, e uma salva de tiros para saudar algumas importantes celebrações.
Seu frontão é todo revestido de tejuelas, e a torre tem dois ’tambores’, um octogonal e o outro quadrado, feitos em madeiras diversas como o coigue, alerce, e o cipreste.
Igreja de Aldachildo
O nevoeiro é presença constante no meu caminho até a comunidade de Puqueldón, na Ilha de Lemuy. Ao descer do carro sou varrida pelo vento forte que sopra da baia, e me contam que sua torre sobressai e é bem visível pelos navegadores ao entardecer ou sob espessa bruma. Chiloé poderia ser o país da chuva pelas mil formas de água que caem do céu, de cerração a furacões. Dizem que as torres das igrejas do arquipélago serviam de farol aos navegantes chilotes. O templo de Aldachildo é dedicado a Jesus Nazareno e na abóboda o céu é azul é salpicado de centenas de pequenas estrelas.
Igreja de Chonchi
Na igreja de Chonchi, cujo patrono é São Carlos Borromeo, minha surpresa é inversa: o exterior colorido em tons de azul e amarelo palha, contrasta com o interior monocromático e quase sem adornos. Construída em 1900, teve a torre arrancada do corpo da igreja por uma das ferozes tormentas que costumam se abater sobre o arquipélago. Destaco algumas curiosidades: as paredes não são paralelas, o que me dá a impressão de ser maior do que é na realidade, e em uma das colunas de madeira foi preservada a pintura original que pretendia imitar o mármore.
A renomada Lonely Planet destacou Chiloé como o 3O destino com mais atrativos do mundo, e está sempre presente em alguma revista de bordo ao redor do planeta. Chiloé possui uma cultura muito particular, e para curti-la integralmente com itinerários de barco, gastronomia típica das ilhas como o curanto, birdwatching, cavalgadas, excursões inusitadas, além de roteiro pelas mais significativas igrejas, considere se hospedar no Hotel Tierra Chiloé, onde você poderá sentir o que é uma imersão nesse lugar privilegiado, um dos mais especiais do Chile. Foi o que fiz e foi perfeito!
Considere quando ir:
Hotel Tierra Chiloé, Região dos Lagos, Castro, Ilha de Chiloé, Chile
www.tierrahotels.com
*Matéria publicada originalmente em nosso blog Viagens Plásticas do Viagem Estadão