“Não há paz para quem tem curiosidade”
A recente frase da jornalista Sylvia Colombo me jogou direto aos Anos de Chumbo, quando com minha turma da faculdade pichávamos muros com “viva a dita-dura”, “rendam-se terráqueos” e o escambau. Mas nada se igualava ao mistério dos pichos inteligentes, como o “Cão Fila K26” e o “Celecanto Provoca Maremoto!” que deixavam os militares intrigados pensando se tratar de mensagens codificadas de uma revolução anarquista em andamento.
O “Cão Fila K26” pulou na frente e se espalhou pelo Brasil todo. Já a pichação “Celacanto Provoca Maremoto!” limitou-se mais ao estado do Rio de Janeiro, e se materializou numa obra de Adriana Varejão que está no Instituto Inhotim, e também na minha cabeça. Assim, anos depois fui atrás da história, não do picho, mas do peixe.
Então, cheguei ao arquipélago de Comores, localizado no Oceano Índico, a mil quilômetros ao norte da costa de Moçambique e ao sul da sua vizinha famosa, as Ilhas Seychelles. Comores é conhecido como a pátria do celecanto, pois foi ali em 1987 que o mergulhador francês Jean-Louis Geraud filmou pela primeira vez um celacanto nadando. Porém, desde 1938 ele não era mais considerado extinto, pois um seu exemplar fora encontrado pela pesquisadora Courtenay Latimer no mercado de peixes da cidade East London, África do Sul.
Chamado de Gombessa pelos comorenses, esse peixe é um fóssil vivo do tempo dos pais dos dinossauros. Sua coloração é de um azul quase indefinível, talvez um azul-da-prússia. Possui escamas grossas e ásperas, dentes fortes, nadadeiras no peito, nas costas e no ventre, mede aproximadamente 1,50 m de comprimento e pesa ao redor de 100 kg. Seus olhos são grandes e fluorescentes, pois o celacanto vive em profundidades abissais de até 500 m, onde reina a escuridão. O fato de não ter sofrido modificações morfológicas durante 350 milhões de anos é o seu maior mistério.
A verdade é que o filme sobre o celacanto contribuiu para a “descoberta” do Arquipélago de Comores, e de suas praias cercadas por barreiras de coral negro. Ali mergulhadores encontram facilmente os mais belos peixes arcos-irisados.
Pescadores em galawas – pirogas –, ou em barcos maiores, encontram o atum amarelo, os marlins negros, ou os acrobáticos agulhões vela, e nos indicam que não foi por acaso que o celacanto escolheu este fundão de mar para viver em segredo, de secretu – afastado, separado. Outro destino ali muito concorrido são as trilhas para alcançar o vulcão Karthala, com 2.360 m de altura. Sua boca composta de várias caldeiras compõe um conjunto de oito quilômetros de diâmetro e tem sido considerada por muitos vulcanólogos como a maior cratera vulcânica do mundo.
Houve um tempo em que as pichações eram mais poéticas e criativas.
Devo a uma delas atravessar meio mundo só para aplacar minha curiosidade.
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