Quem gosta de conhecer destinos insólitos, ampliar horizontes, precisa conhecer a cidade-fantasma de Airão Velho. Ali, na Amazônia, o imaginário da floresta deixa as histórias do Barão de Munchausen parecerem verdadeiras.
Uma das mais singulares viagens que fizemos aconteceu às margens do Rio Negro, diante das ruínas de Airão Velho, cidade abandonada por seus habitantes na década de 1950. Os ribeirinhos dizem que a fuga dos moradores ocorreu depois do ataque de ferozes e gigantes formigas de fogo. Outros, vão ao Além, e categóricos afirmam que todos deram no pé por causa dos fantasmas de índios escravizados.
Curiosos, embora desaconselhados por nosso barqueiro, um índio Baniwa, lá fomos nós para Airão Velho. No meio da travessia, o que era um céu azul de repente se fechou em cinza chumbo, as águas antes tranquilas começaram a criar ondas para surfistas. De súbito uma tempestade furiosa nos acertou em cheio e a água nos envolvia de todos os lados. O barco sacudia com violência de um lado para outro, igual um cavalo indomável que quer arremessar para longe o cavaleiro. A escuridão desceu sobre nós, e um clarão de raio se fez para logo a seguir dissolver num estrondo de tremer a Terra.
Então, começou o vento. Primeiro em rajadas esparsas, depois mais frequentes, até que uma permaneceu constante, sem pausa, sem alívio, e tinha algo de um sopro sobrenatural.
Sobressaltados conseguimos atracar, mas não foi preciso esperar muito para perceber que não éramos bem-vindos, pois logo a seguir fomos recepcionados por um bombardeio de mangas comandado pelo vento forte que chicoteava as copas das árvores furiosamente. O índio Baniwa evoca os espíritos dos antepassados e assume que foram eles que quase nos impediram que atracássemos na cidade fantasma. E completa: “se não estivesse com vocês o barco teria virado. Os espíritos de nossos antepassados ainda não perdoaram os brancos”. O que não deixa de ser justificado se pensarmos na história da colonização.
Camadas de histórias da Amazônia estão em Airão Velho: pinturas rupestres deixadas por povos indígenas que habitaram há milhares de anos e expedições escravagistas de São Paulo que provocaram danos irreparáveis às tribos ao longo do rio Negro. E, mais de missionários e portugueses que ali construíram um importante entreposto comercial que iria crescer ainda mais com o ciclo da borracha no início do século passado.
Hoje, numa ampla visão, se vê uma série de imponentes ruinas caindo aos pedaços, que antes serviram como igreja, escola, casas coloniais, cemitério (passamos longe) e prédios municipais. Tudo abraçado por um labirinto de raízes e cipós. Nada ali alivia sua barra.
Naquele momento, para nós, caminhar pelas antigas ruas de pedra de Airão Velho é estar preparado para esbarrar numa alma penada. Já acreditando na maldição do local, vimos se aproximar de nós a figura espectral do sr. Shigeru Nakayama. O japa é o único habitante dali, espécie de ermitão que guarda a vila.
Profundo conhecedor da história da cidade abandonada, ele desfez nosso espanto explicando que as ondas tumultuadas, conhecidas como banzeiro e a ventania que nos saudaram na chegada eram comuns daquela estação do ano. E por fim contou a verdadeira história do abandono da cidade. Isolada e empobrecida pela escassa comunicação com outros centros urbanos, ela perdeu a vez, e virou mais uma vila-fantasma.
O mais inusitado e, talvez, fascinante em uma viagem pela Amazônia são suas histórias e lendas. A cada momento, em todos os lugares, surgem evidências dos deuses e espíritos. Eles são um som inexplicável, o pisca-pisca do vagalume, o canto de um pássaro, ou uma nuvem.
Menos delirantes e mais realistas embarcamos de volta para Manaus, agora acompanhados de dois arco-íris em dia ensolarado, para logo a seguir novamente nos sobremaravilhar com a Amazônia. Num flash, vimos um nevoeiro baixo e espesso ocultar a velha vila.