Aysén na Patagônia chilena é terra que não parece conhecer fronteiras, um não findar nunca de amplos espaços até a linha difusa e lilás do horizonte. Amo essa vastidão e voltei agora na primavera para rever as Catedrais de Mármore, na minha opinião, a coisa mais admirável da paisagem de Aysén.
É voz corrente que são necessárias muitas horas percorrendo a Carretera Austral para chegar aos atrativos patagônicos. Alguns viajantes adormecem na van embalados pelo silêncio ao redor. Não os culpo, mas como fechar os olhos diante dessa paisagem bela e sempre cambiante? Por outro lado, também sou vista na janela da van por viajantes ciclistas, sobretudo alemães, suecos e suíços. Acredito que eles devem pensar como há viajantes apressados que perdem as pequenas grandes belezas do caminho, como flores e frutinhas silvestres, cogumelos lilases, passarinhos, ou uma raposinha tímida, e sempre com o ar fresco no rosto?
Essas surpresas são descobertas preciosas que enriquecem o caminho. Mas, confesso minha ansiedade, tenho pressa, quero chegar logo a Puerto Tranquilo. Dessa vila com uma única rua principal e nome bem acertado, zarpam as embarcações que navegam sobre o Lago General Carrera. Alimentado por glaciares tem uma bela cor de pedra preciosa, limpidez e pureza. Chuva e vento, que agita as águas, foram durante milhões de anos, esculpindo e modelando a rocha bruta, criando formas extraordinárias.
O percurso de barco até as formações é de menos de uma hora, e o turbilhão de sentimentos se mistura às apreensões: o sol se esconde, começa ventar, poderei ver as cavernas em todo seu esplendor? Apreensões que cantam alto pois, na minha primeira visita as águas estavam encrespadas, e na segunda viagem a maré havia subido muito, inundando e escondido parte das formações.
As águas são fonte inesgotável de fantasias e sonhos, e eu me deixo levar por essas sensações até avistar, por fim, as cavernas. O dia está lindo, a luz do sol cintila nas paredes das rochas e sopra apenas uma leve brisa. Tudo perfeito!
A irregularidade das formas é o que de imediato chama minha atenção: há pilares afinados, janelas, arcos, bifurcações e passagens. Algumas pedras estão polidas, têm formas arredondadas, veios claros de tonalidades grisalhas. Outras são ásperas, cor de chumbo com veios amarelos. Nas rochas noto listas, formas barrocas, retorcidas, em tonalidades que vão do branco até sutis nuances de rosas e azuis.
Com a maré baixa o barco pode entrar em alguma fenda e fazem eco o som melódico da água batendo nas pedras e das gotas que caem do teto.
Há ainda túneis profundos, sombrios e misteriosos. Design impensável. Se um crítico de arte visse uma foto com essas formas abstratas, acreditaria estar diante de um artista moderno.
Encontrei a cumplicidade ideal pois, sem vento as águas viram um espelho. Mas, não, e tomada de uma sensação de profunda alegria vejo a transparência quase sobrenatural, e que revela, não como um espelho que duplica, mas outras formas submersas. A vista pode atravessar a superfície da água como um cristal e posso ver outras formações diferentes, novas cores e texturas envolvidas no azul água-marinha. Parece um mundo a parte, estonteante, outra realidade. Não me assombraria se, de supetão, aparecessem escondidas naquele azul etéreo, sereias, damas aquáticas, seres fantásticos. Não é o que diz a mitologia chilena? O que mais diz sobre elas? Que cantam, ou como dizem das sirenas dali, sussurram. Dizem também que oferecem tesouros a quem delas se aproximar. Alguém se aventura num mergulho?
Já eu mergulho no mistério dessas formações e agora acredito que devem ser o palácio das sereias. Haverá morada mais nobre? Não por acaso casais de noivos já realizaram suas bodas em uma das ilhas, e por isso é chamada de Capela de Mármore.
Há uma lenda que afirma que se alguém deixar um charango (violão), na beira d’água a noite, na manhã seguinte vai encontrá-lo perfeitamente afinado. E mais, o instrumento estará dotado de poderes mágicos.
Aysén possui algo raro e único, não há nada igual no mundo. Essa formação geológica representa uma obra prima do gênio criativo da natureza. Mereciam ser tombadas como Patrimônio da Humanidade pela Unesco. As Cavernas e Catedrais de Mármore teriam sua preservação e conservação garantidas além de ganharem evidência para os viajantes do planeta.
Para conhecer as Cavernas de Mármore com toda segurança considere se hospedar com quem conhece toda a região de Aysén, o Hotel Loberias del Sur. Depois de um pisco sour de boas vindas, diante do pitoresco Puerto Chacabuco, o hotel disponibiliza catamarãs e vans para os mais importantes atrativos de Aysén, e em Puerto Tranquilo tem os barcos para travessia já agendados. Quartos amplos e aconchegantes, sala para leitura com lareira, refeições com vista para porto e gastronomia que privilegia peixes e frutos do mar sempre fresquíssimos, e para finalizar sobremesas típicas chilenas. Tudo acompanhado dos especiais vinhos da terra.
Se ao chegar em Puerto Tranquilo o tempo não permitir a navegação, o hotel Loberias del Sur tem como parceiro o Mallin Colorado Ecolodge. Localizado cerca de meia hora das cavernas, tem chalés construídos com toras de madeira em meio a um jardim com árvores nativas. Dotados de todo conforto, móveis e objetos em madeira feitos a mão, estufa, minicozinha para os hóspedes fazerem um chá relaxante, vista para o Lago General Carrera e jantar divino. Logo após o café da manhã os hóspedes poderão retornar a Puerto Tranquilo e navegar até as cavernas.
*Matéria publicada originalmente em nosso blog Viagens Plásticas do Viagem Estadao