Devoro revistas de lugares!
Tenho uma queda especial pelas que encontro, assim à toa, nas viagens. Certa vez aconteceu em Buenos Aires. Uma pequena foto em desbagaçada revista, despertou minha atenção.
Achei que era uma loja de doces decorada para encher os olhos das crianças, tal casa da bruxa da história de Hansel e Gretel: um pão de mel gigante com jujubas, pastilhas e balas de goma coloridas grudadas nas paredes.
Mas quem diria, a enfeitiçada fui eu! A foto era do altar de uma capela! Pipocado de frutas, ninho de coruja, flores do campo, pedras, raízes, aves, cactos, um passarinho, e até mesmo um caracol.
O que à primeira vista me sugeriu ser a vitrine de uma doceria, foi que todos os espaços do altar estão preenchidos com um grafismo feito de listas, linhas em ziguezague, bolinhas e rendilhados.
Fechei a revista e mudei meu itinerário para Catamarca, norte do país, atrás da doce capela.
No caminho para Tinogasta, onde fica a capela da foto, era agora, a grandiosidade do lugar que preenchia o espaço: montanhas, lagunas, rios, desertos e vulcões. De cores, uma gama sem fim de ocre, do enxofre ao castanho, passando pela cor de palha, aos tons cinzentos e verdes terrosos, sob o cobalto puro do céu. Ali viviam mulheres e homens simples que cultuavam a mãe-terra, e moravam em singelas casas feitas de adobe.
Fiquei sabendo que quando chegaram os jesuítas, para incentivar os moradores a erguer templos religiosos, mostraram desenhos das igrejas espanholas que ali poderiam ser construídos em adobe.
Sem a mais remota ideia de como poderiam reproduzir aquelas formas barrocas complicadas, feitas de colunas, volteios e arabescos, os moradores criaram uma perspectiva única e singular.
E, tudo era moldado à mão, dos degraus aos telhados, incluindo chaminés e campanários.
Das igrejas as construções em adobe passaram para as sedes das fazendas, a prefeitura, bodegas, escolas, e até bairros inteiros foram construídos nesse material. Por isso hoje há um percurso que envolve Tinogasta e arredores, direcionado só para ver essas obras:
“A Rota do adobe”
Fui logo procurando o altar da foto que me levou a essa viagem. Ele está na Igreja de Nossa Senhora do Rosário, no vilarejo de Hualfín. É uma joia da arquitetura popular. Depois de modelado, um primitivo artista recobriu-o com as mais doces cores do mundo, e retratou ao lado da Virgem, a natureza dali povoada de pequenos animais. E, para ficar bonito do jeito dele, preencheu os espaços com um grafismo de listas, linhas em ziguezague e bolinhas.
Seguindo pela estrada chego na antiga prefeitura, e a igreja de São Pedro. Esse complexo se espraia em um jardim com árvores de algarrobo, típicas dali. No amplo casarão térreo pude observar a largura das paredes, quanto mais largas, mais térmicas. Daí o adobe ser ideal para essa região onde as temperaturas ficam abaixo de zero no inverno, e o verão é de rachar.
Agora sigo dentro do leito seco do rio. No inverno ele vai receber de volta suas águas provenientes do degelo das altas montanhas. Ao longe, no povoado de Saia, a Igreja de Nossa Senhora de Andacollo, me sugeriu um castelo de areia feito por uma criança caprichosa.
Do outro lado da estrada, em Anillaco, ficava a hacienda de rico comerciante andaluz, com ampla sede, galpões, casas dos colonos, e até mesmo uma igreja particular dedicada a Virgem do Rosário. Construída em 1712 com sua proporção imperfeita, tem um altar que conservou uma deliciosa cor de chocolate.
Próxima parada, o pueblito El Puesto, todo em adobe. Dentre as casas se destaca a propriedade dos Orquera cuja Igreja do Oratório tem uma original torre e campanário em forma circular.
O final do dia coincide com o fim do meu roteiro, uma antiga casona de adobe, hoje hotel. No quarto fresquinho de teto alto, puxo o edredom macio, e desejo que nas viagens, as revistas continuem a cair, assim à toa, nas minhas mãos.
Onde ficar
Hotel de Adobe Casagrande, calle Moreno 801, Tinogasta
Para saber mais
www.turirmocatamarca.gov.ar
www.argentina.travel
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*Matéria publicada originalmente em nosso blog Viagens Plásticas no Viagem.Estadao